ALERTA DE SPOILERS! Antes de ler as notas, leia o capítulo correspondente primeiro!
Olá, pessoal!
Como prometido, com chave de ouro fechamos esse ano, trazendo um capítulo novíssimo (inclusive, fechamos o ano com o capítulo DEZESSETE!). E não é qualquer capítulo: estamos frente ao capítulo mais extenso até hoje, para compensar. Foram cerca de 6.300 palavras! E não é para menos, estamos fazendo um dos caminhos mais longos em Kalos, rumo a Ambrette Town, onde teremos algumas surpresinhas guardadas para o próximo capítulo. Se alguém sentir que o capítulo está muito extenso, nada os impede de fazer uma pausa e continuar a leitura depois, é claro.
Rotas 7 e 8
Não é apenas uma viagem, estamos passando por algumas das minhas rotas favoritas em Kalos. A Rota 7 é famosa pelo Battle Chateau, que teremos a oportunidade de conhecer mais para a frente. Enquanto isso, a Rota 8 é famosa por ser "apenas" uma das mais bonitas de todo o continente! Apesar de ter notado que o capítulo ficaria bem longo, não poupei descrições nessa parte, porque considero que merecíamos muito detalhamento. Fica a curiosidade: Nos últimos dias estive de passagem por um local que lembrou um pouco essa rota. As descrições, logo, tem um pouco da minha impressão pessoal. Espero trazer para vocês esse toque de encantamento, porque esse capítulo marca nossa chegada à Coastal Kalos, ou seja, a parte litorânea do continente! Apesar de Kalos não ter um litoral como Alola e Ilhas Laranja, podemos pegar uma prainha, se o tempo for favorável, não é?
Dois novos amigos
Como deve ter surpreendido, este capítulo, apesar de passar por duas grandes rotas, não teve total foco em nosso querido trio. Não. Hoje cortamos um pouco o ritmo para voltar ligeiramente para o centro de Kalos, a grande Lumiose. Desta vez, quem protagonizou a cena nesse local foi um rapaz humilde chamado Mikala, e uma esnobe pesquisadora, Ashley. Por enquanto gostaria de saber as impressões que tiveram deles, porque são personagens que ainda aparecerão futuramente. No momento, tivemos apenas o choque de um rapaz que veio de muito longe para realizar um sonho, e deparou-se com um choque cultural extremamente intenso. Como seria lidar com a grande metrópole fria de Kalos, após vir de um caloroso arquipélago distante?
Tempos paralelos
Como o capítulo teve vários focos, percebemos que em cada cena há uma cronologia diferente. Espero não tê-los confundido com isso, mas é importante frisar que a passagem do tempo não tem a ver com a ordem do capítulo exatamente: Quando o trio já está na hora do almoço, indo para a Route 8, Mikala e Ashley já tomaram café, embora essa cena só venha depois. Não é algo que vai fazer muita diferença, porque ao longo das descrições eu busco situá-los no tempo, mas, caso surja alguma dúvida, já deixo explicado para não focarem muito nisso: as cenas não são simultâneas, apesar de estarem em lugares diferentes.
Reforminhas aqui e ali
Quem está ligado no blog pode acabar percebendo algumas mudanças pequenas que tenho feito (Ninguém reparou? Okaaay). Acontece que sou um pouco hiperativo: quando fico emperrado para escrever/planejar, aproveito para mudar imagens, descrições de páginas, etc. Caso algum link saia fora do ar, fiquem tranquilos, que é porque estou consertando, e logo trarei de volta!
Assim, deixo um abraço a vocês, um desejo de que aproveitem muito as festas de final de ano (eufemismo para: comam muita comida), e os aguardo nos comentários. Um feliz Natal e um maravilhoso ano novo a todos!!
EDIT: A página de Secundários foi atualizada EDIT: A ficha de Honedge foi postada
O som do freio sendo acionado ecoou
alto, com um ranger de metal agudo durando alguns instantes, à mesma medida que
o rapaz sentiu-se desacelerando.
Recostou-se em seu assento
confortável quando finalmente parou e guardou sua edição de uma revista de
treinador na mochila. Quando se sentiu seguro e viu as demais pessoas
levantando-se, fez o mesmo e dirigiu-se a uma pequena porta que abriu
automaticamente após a parada. Como todos seguiram em direção a ela, também o
fez. Ouviu uma voz quase mecanizada ao longe:
— Bem-vindos à Gare Du Nord. O
próximo trem, com destino à estação de Kiloude City, chegará em alguns minutos.
Cuidado ao aguardar o transporte. Desejamos a todos uma boa experiência em
Lumiose, a Cidade Luz!
Quando deixou a porta do trem,
ficou um tanto paralisado. Mal tivera tempo de admirar tudo parado, pois o
grande fluxo de pessoas o empurrou para frente. Onde estava era grande. Bem
grande. O teto, metros acima, era sustentado por imensas pilastras de pedra,
onde intercalavam janelas semicirculares que permitiam a entrada dos frágeis
raios de luz daquela manhã nublada. Muitas lâmpadas distribuídas uniformemente
auxiliavam a tornar o lugar ainda mais brilhante. Havia tantos trens que se
perguntava se havia tantos lugares assim para viajar. Anúncios por todos os
lados, placas, — algumas que não entendia o que diziam — pessoas conversando e
caminhando com certa agilidade seguiam por todas as direções. Dezenas de
histórias reunidas, correndo contra o tempo. Em um local estratégico, um
televisor se posicionava, apresentando a mensagem:
GARE DU
NORD — LUMIOSE CITY
BEM-VINDO A KALOS
Ainda que visse por todos os lados
indícios da modernidade, a arquitetura da estação e sua composição de pedras
davam-lhe a impressão de que fora construída séculos atrás, formando um misto
paradoxal de antigo e moderno: estátuas de pedra antigas dividindo espaço com
monitores imensos e tecnológicos com informações em tempo real dos trens, que
iam e vinham de forma quase coreografada. Havia placas em diversas direções,
mas não sabia ao certo qual delas era a correta ou para onde iria. Sequer sabia
que caminho seguiria. Passado o primeiro choque, e já sem estar envolvido por
tantas pessoas, cobriu os braços com as próprias mãos, encolhendo-se.
— Por Tapu, esse lugar é… Frio. —
disse baixinho para si mesmo, embora soubesse que ninguém ao redor ouviria.
E não era para menos. Coberto
apenas por uma regata e uma bermuda, destoava das pessoas ao redor — trajadas
com roupas mais apropriadas ao frio daquele dia, entre casacos e cachecóis de cores
variadas e que pareciam muito elegantes. Perdido, sentou-se em um banco,
enquanto observava as pessoas, aparentemente não muito amistosas, caminharem
até seus destinos. Olhou para um relógio pequeno e simples que guardava no
bolso e comparou com um outro fixo em uma pilastra. Estavam completamente
diferentes.
Estava fascinado, porém, gostaria
de não estar tão perdido — e nem com tanto frio. Ouviu, entre as conversas
atravessadas e anúncios mecanizados, o ranger de metal suave de outro trem
chegando, e com ele uma nova leva de pessoas apressadas também surgiu. De lá,
notou uma garota que veio próximo de sua direção, parando em uma banca de
revistas ao seu lado.
— Bonjour. — esboçou um pequeno sorriso ao dono da banca. — O jornal
de hoje, por gentileza.
Após pegar o jornal e pagá-lo,
sentou-se no banco, ao seu lado. Observou-a com um pouco de atenção. Vestia um
moletom comprido e aquecido para o frio — o qual invejou naquele momento. Tinha olhos azuis grandes, que
se escondiam por trás das lentes de seus óculos. Os cabelos, curtos, eram de um
vermelho vivo, e se distribuíam de maneira desordenada. Sua feição destoava levemente das pessoas ao redor. Era bonita.
Percebendo que estava sendo
observada, virou-se para ele:
— Precisa de alguma coisa? — disse,
em um tom que não soube distinguir se era simpático ou sarcástico.
Apesar de ser uma pergunta quase
retórica, dadas as condições, não foi capaz de dar outra resposta:
— Na verdade sim. — respondeu, um
pouco sem jeito. — Pode me dizer onde fica…
A menina ajeitou os óculos com uma
mão, enquanto o examinava com uma expressão indiferente. Só então percebeu que
sequer sabia ao certo para onde deveria ir. Por sorte, depois de alguns
momentos sem uma resposta definitiva, a menina logo o interrompeu:
— Você não é daqui, certo? —
indagou, com um suave toque de humor.
— Está tão óbvio assim? — perguntou
a ela, tentando disfarçar.
— A julgar que está dez graus lá fora
e você está de bermudas, sim, é nítido. — ela riu, mas era um riso suavemente
arrogante.
—Na verdade estou um pouco perdido.
— admitiu. — Tu poderia me ajudar?
A garota examinou o relógio mais
próximo, enquanto guardava as folhas de jornal dobradas em sua bolsa
amarronzada. Em seguida, sorriu, mas sem tirar a expressão sarcástica do rosto.
— Acho que tenho tempo para um
café. — disse, enquanto se levantava. — À moda Lumiose.
...
Serena acordou de seu cochilo com o
som de uma porta velha rangendo.
Calem entrou no quarto
mal-humorado, sem sequer dar-se conta que a prima tentava dormir. Jogou uma
toalha molhada na direção de sua mochila, enquanto andava com os pés batendo,
enraivecido. Colocou um nécessaire de volta em seus pertences, enquanto
esbravejava:
— Dá para acreditar que quase não
tem banheiros nesse palácio imenso? Construíram setecentos quartos, MAS NINGUÉM
COGITOU A POSSIBILIDADE DE CONSTRUIR BANHEIROS?
Serena permaneceu em silêncio.
Tentou fechar os olhos novamente para dormir, mas Calem continuava a resmungar:
— Tudo bem que é uma construção de
séculos atrás, mas é meio repugnante imaginar que as pessoas jogavam as
necessidades… Pela janela . — reclamou. — Precisei andar dez minutos até o
vilarejo mais próximo e implorar por uma ducha quente, já que o banheiro pra
turista daqui não tem chuveiro — falou, enquanto continuava arrumando sua
mochila. — Tenho medo de perguntar o que o tio Louis faz quando acorda no meio
da noite querendo urinar.
Pelo
menos ele não acorda no meio da noite e sai descalço atrás de um espírito de
séculos atrás.
Ele virou-se para a prima, que
permanecia deitada, olhando na mesma direção, quase hipnotizada. Aquilo o
incomodou ligeiramente.
— Serena, você está me ouvindo?
A menina esfregou as mãos nos
olhos, espreguiçando.
— Estou, Cal, estou. — disse, com
um pequeno toque de amargura. — Só estou cansada, não dormimos nada nessa
noite, e o tio disse que os turistas começam a chegar daqui a pouco, então
precisamos levantar.
— Talvez eu tenha um pouco de culpa
nisso. — admitiu ele em tom baixo.
Serena colocou-se sentada de forma
gradual, a fim de evitar tonturas ao levantar depressa.
— Eu só queria entender o que
aconteceu. — suspirou.
— Foi esquisito, eu…
Naquele momento a porta foi aberta
novamente, após algumas sutis batidas. Uma moça, trajando roupas típicas de
camareira, fez um sinal pedindo desculpas ao receber os olhares simultâneos dos
primos.
— Senhores Windsor, perdão por
interromper. — abaixou-se várias vezes em sinal de respeito. — o senhor Louis
pediu para avisá-los que o palácio estará sendo aberto para visitas em alguns
minutos.
— Tudo bem. — concordou Calem. — Obrigado.
A moça novamente fez alguns gestos
de respeito e se retirou, tímida, após fechar a porta. Serena acabou levantando
e tornou a observar ao seu redor, enquanto Calem arrumava sua mochila. Observou
alguns quadros pendurados na parede, com pinturas de uma família com vestes bem
antigas. Provavelmente algum dos antigos habitantes do Parfum Palace.
Enquanto isso, Charlie sentava-se
no chão em outro cômodo, um tanto escondido atrás de uma cama. Em seu colo,
redigia em uma folha em branco algumas palavras, à mesma medida que olhava para
um pequeno caderninho, como se buscasse inspiração nele. O rapaz assustou-se
quando a porta do quarto subitamente abriu e Serena entrou. Vendo que o garoto
aparentava estar surpreso, a menina indagou:
— O que você estava fazendo?
Charlie ficou sem jeito por um
momento, levantando-se suavemente enquanto deixava o caderninho e a folha no
chão, disfarçando ao fingir que alongava o corpo.
— Nada demais, princesa. Achei que
estivesse tentando dormir.
— Eu estava, mas é melhor irmos
andando desde já. — respondeu Serena, um
pouco desconfiada, movendo a cabeça para investigar ao redor. — O que você
estava fazendo com meu diário?!
Charlie deu um salto, pronto para disfarçar
novamente, mas Serena logo correu para pegar o caderninho. Ruborizada, a garota
prendeu-o entre seus braços. Após alguns instantes, conseguiu olhar nos olhos
do menino, e carregava indignação em sua expressão.
— Charlie, isso é particular! —
falou, mais alto que gostaria.
— Ora, eu estava apenas curioso
para saber se você falava de mim. — defendeu-se, um pouco sem jeito.
A menina respirou fundo, como se
tentasse não perder a calma, mas seus braços tremiam um pouco.
— Até onde você leu?
— Eu? Bem… — ficou por alguns momentos perdido. — Não me
lembro agora.
Parece
um pouco bobo que uma menina de quinze anos ainda tenha um diário, mas para mim
é algo muito importante. Sinto que devo deixar tudo de importante registrado, porque
as memórias um dia desaparecem, e quero poder ler não apenas para relembrar as
coisas, mas para ver como as enxergava. É engraçado ver anotações que eu fazia
imaginando como é o mundo fora da minha casa, e compará-las com as que faço
hoje, relatando o que eu vivo de verdade. Mas, apesar de bobo, não deixa de ser algo pessoal. Até porque eu havia, sim, escrito sobre o Charlie.
Ela fez um olhar de chateação, e
abriu novamente a porta.
— Vamos logo.
Ambos pegaram seus pertences no
outro quarto, encontrando Calem, e desceram as escadarias do final do corredor.
Algumas pessoas caminhavam nos outros andares, admirando as antiguidades que
sobreviveram ao tempo. De fato aquele luxo era surpreendente: as estátuas,
pinturas, móveis, vestes, papéis de parede…
Quando desceram, seu tio estava no
saguão principal, recebendo alguns turistas e dando dicas de quais quartos
deveriam ser visitados e fotografados. Ao avistar os jovens se aproximando com
suas mochilas, não evitou um olhar melancólico, indo até eles:
— Oh, fiquem mais um dia, é tão bom ter a companhia de vocês! —
pediu, juntando as mãos.
Os três deram uma risada simpática.
— Precisamos mesmo ir, tio, temos
de tentar chegar até Cyllage Town
ainda hoje. — informou Calem.
— Será uma tarefa difícil, ela fica
um tanto longe daqui. — disse Louis, fazendo sinal para uma das moças
uniformizadas que trabalhavam para ele. — Por favor, querida, pegue alguns mantimentos
para os jovens levarem.
— Sim, senhor. — disse ela,
correndo até a cozinha.
O Furfrou do tio passou pelo
saguão, o sininho no pescoço balançando a cada passo. Algumas pessoas paravam
para admirá-lo, mas o Pokémon parecia exibir um olhar ranzinza. Sem se dar
conta, foi puxado por Louis para um abraço apertado, batendo as patas para
tentar escapar, enquanto o senhor soltava uma risada de satisfação.
— Sentiremos saudades de vocês!
Espero que tomem muito cuidado!
Após a moça trazer um conjunto de
embalagens com alimentos, — e levarem
abraços bem apertados. — o trio partiu, deixando o imenso Parfum Palace pelo
imenso portão de entrada. Após alguns passos no piso bicolor externo, Serena
voltou a encarar a imensa e histórica construção dourada, que brilhava como o sol naquela manhã, mesmo com o tempo nublado. Agora estariam de
volta na estrada.
— Espero nunca mais passar por esse
lugar. — balbuciou Calem
— Eu também espero que você nunca
mais passe. — comentou Charlie, o tocando no ombro. — Ou, se passar, que eu não esteja com você
quando resolver bancar o doido dos espíritos.
...
Após certo tempo de caminhada, o
trio chegou à bifurcação pela qual passaram anteriormente. Era possível
avistar, ao longe, as fortificações de Camphrier. Desta vez, seguiram pelo
terceiro trajeto possível, onde viam um extenso caminho de flores e um córrego
a certa distância. Tratava-se de umas das mais extensas rotas de Kalos. Alguns
treinadores corriam pelo ambiente, batalhando, ou apenas admirando o espaço
natural com seus Pokémons. Serena sentia-se à vontade, lançando seu Flabébé
para aproveitar as diversas flores presentes na rota, enquanto sentavam-se para
comer algo.
Tendo se alimentado e após
retornarem ao trajeto, puderam notar a presença também de uma estrutura grande
próxima ao riacho que atravessava a Rota 7, após um grande período andando. Com
um ar histórico, um castelo estendia-se imponente. Altas torres de vários
formatos formavam o que aparentava ser um salão principal, e em seguida a
construção seguia uniforme na parte de trás, com duas camadas de janelas
dividindo a estrutura. O telhado de um tom azul desbotado acompanhava alguns
detalhes que enfeitavam o castelo. O mais interessante era que, apesar de imensa
e claramente pesada, a construção era sustentada por alguns pilares e atravessava
o rio. Em uma placa lia-se: “Battle Chateau”.
Sabiam que o Battle Chateau era um
espaço famoso de batalhas em Kalos, criado séculos no passado, onde nobres
utilizavam o ambiente para combates esportivos e competições internas. Nos
últimos tempos, o castelo funcionava como centro de torneios, e em algumas
oportunidades sediava batalhas mais sérias, até mesmo a Liga Pokémon. Era
inclusive frequentado tanto por treinadores iniciantes como por celebridades do
continente, como líderes de ginásio e membros da Elite.
Várias pessoas se espalhavam pela
entrada, alguns inclusive com seus Pokémons. Todos voltaram-se para uma mesma
direção quando ouviram um rapaz praguejar alto, sendo puxado por uma dupla de
seguranças. O garoto aparentava ter cerca de treze anos, e não diferia muito de
outros treinadores comuns que costumavam desafiar Calem para batalhas em outras
rotas.
— Sinto muito, senhor, mas aquele
torneio é exclusivamente para Duques e superiores, e você sequer possui um
título para frequentar o espaço. — disse um dos seguranças, sem pestanejar.
— Mas o preço do primeiro título já
é enorme! — disparou o garoto.
— Sinto muito, senhor, são as
regras do Battle Chateau. — falou o
segundo segurança, empurrando-o, por fim.
O menino afastou-se, rogando uma
praga em volume alto, e chamando a atenção dos demais presentes. Ele passou
pela frente do trio, cortando seu trajeto sem perceber, enquanto continuava
murmurando, nervoso. Os três se entreolharam, mas nada disseram, prosseguindo a
caminhada.
Em torno do castelo também havia
pintores, que aproveitavam a paisagem para buscar inspiração. Uma brisa fria
levava o aroma das flores, tornando a rota naturalmente perfumada. O caminho
encerrou com a entrada para uma caverna, a Connecting
Cave, responsável por interligar a rota com a cidade de Cyllage.
Se antes os raios de sol do lado de
fora eram escassos, do lado de dentro tudo era ainda mais escuro. Havia algumas
lâmpadas por pessoas, levando em conta que aquela área da
caverna era frequentada por treinadores. Contudo, o ambiente ainda parecia um
tanto imprevisível, onde cada ruído era amplificado e ecoado pelas paredes.
Calem tomava cuidado a cada passo, com medo até mesmo de onde pisava.
— Eca, é tão terrível sair de um
palácio maravilhoso e voltar para a dura realidade de uma caverna suja e úmida.
— resmungou.
— Pare de frescura, Calem, é apenas
uma caverna. — rebateu Charlie. — Crianças de dez anos atravessam.
Serena deu risada, enquanto o rapaz
o encarou com um olhar fuzilante. A menina não se importava em atravessar a
caverna. Inclusive parecia fascinada com o ambiente. Era como se imaginasse que
tipo de criaturas habitavam aquele espaço inóspito e misterioso, e à mesma
medida que isso a assustava, também a empolgava.
Charlie guiava o grupo por um
trajeto, mas logo ouviram um grupo de pessoas conversando na direção em que
seguiam. Depararam-se com alguns senhores amontoados, trabalhando em um local
onde parecia ter havido um desmoronamento que impedia que prosseguissem por
aquele caminho. Um dos homens voltou-se para eles, ao vê-los se aproximando:
— Jovens, desculpe, esse caminho
está interditado. Houve um deslizamento nessa área. — explicou.
Os três concordaram e deram alguns
passos, se afastando. Em seguida, ficaram juntos, refletindo.
— Que droga, eu não contava com
isso. — reclamou Charlie.
— E agora? Eu não quero voltar para
o palácio do tio Louis. — falou Serena, temerosa.
— Calma, princesa, podemos pegar
outro caminho. — disse Charlie, raciocinando por um tempo. — Se contornarmos
pela Route 8, também chegaremos a Cyllage.
— Pelo mapa parece um pouco
longe... — comentou Calem, puxando seu mapa e fazendo um esforço para
enxerga-lo no escuro.
— É longe. Sugiro que partamos para
a Route 8, e nos hospedemos por uma
noite em Ambrette Town. De lá, partimos
para Cyllage. — disse Charlie, apontando para o mapa.
— Parece um bom plano. — concordou
Serena, por fim.
— E confiem em mim, valerá a apena
atravessar esse lugar. — sorriu o garoto.
— Por quê? — questionou Calem.
— Você verá.
Após tomar um caminho alternativo,
encontraram uma saída, ainda um pouco distante, mas já era possível observar os
raios de claridade que provinham dela. Charlie olhou sorrindo para Serena, mas
a garota não entendeu o motivo ao certo. Tentando compreender o porquê,
permitiu-se aguçar sua audição, ouvindo um som curioso ecoando por entre as paredes que envolviam a saída. Era um vai e vem
incessante e em baixo volume, que por algum motivo a relaxava.
— O que é esse barulho? — indagou,
ouvindo uma risadinha do menino.
Curiosa, acelerou o passo em
direção à saída. Cobriu o rosto com os braços por um momento quando a súbita
claridade a incomodou, e logo ouviu o som intensificando-se. Quando puderam
olhar para fora da caverna, Calem e Serena arregalaram seus olhos, ficarando
boquiabertos e sem qualquer reação para esboçar em palavras.
— Bem-vindos à Coastal Kalos. — apresentou Charlie. — Mais especificamente à Muraille Coast.
— Nossa. — foi tudo o que Calem foi
capaz de dizer após alguns segundos em silêncio absoluto.
A Route 8, também chamada de Muraille
Coast, marcava a divisão entre a parte Costal e Central de Kalos, com uma
clara diferença de relevos: possuía uma área superior e rochosa, a falésia após
a saída da caverna, que a ligava à Ambrette
Town. Apesar de rochosa, a área possuía certa vegetação, e abrigava
espécies diversas de Pokémons que viviam tanto no litoral quanto na parte
central da região; Também havia uma parte inferior, composta apenas por areia,
que formava uma praia, em direção a Cyllage. Aquele era o limite ao oeste de
Kalos, onde o mar azul-esverdeado encontrava a terra, e trazia consigo um som
harmonioso quando as ondas enfrentavam as pedras e levantavam o aroma de
maresia no ar.
Não importava o quão longe
observassem, seus olhos se perdiam na imensidão azulada. Se onde estavam antes
o tempo parecia nublado, naquela região as nuvens já se dispersavam, permitindo
que as águas refletissem aquele tom, em uma mistura com um verde inacreditável.
Uma linha demarcava a divisão, muito ao longe, entre o mar e o céu. Parecia tão
próxima, mas ao mesmo tempo tão distante...
— Vocês vêm ou ficaremos aqui o dia
todo? — provocou Charlie, começando a caminhada novamente.
Os primos, ainda um tanto
impactados, o acompanharam no passo.
— Eu não me importaria, na verdade.
— sorriu Serena.
— Algo a reclamar, Calem?
O garoto ficou por um momento
reflexivo, observando a maravilhosa vista.
— Essa brisa… — comentou, um pouco
baixo. — Cheira a peixe.
— Claro. — respondeu Charlie, sem
muita surpresa.
Naquele
momento, enquanto os dois discutiam, percebi que nunca havia visto o mar na
vida. É lindo por trás de uma tela, por trás de uma fotografia. Mas aquilo que
eu sentia naquele momento não poderia ser capturado, e sim vivido. Àquela
altura víamos as ondas quebrarem na areia e nas pedras, e por onde nossos olhos
corressem, havia oceano ou um interminável caminho rochoso e vegetal. Ventava
muito forte, de forma que meu cabelo esvoaçasse, e precisássemos, às vezes,
falar em tom mais alto. Mas quer saber? Era o lugar mais lindo que eu já vira
em toda a minha vida até aquele momento.
— Cal… Será que amanhã podemos… —
arriscou Serena. — Nadar no mar?
O rapaz ouviu a pergunta e
continuou andando, por alguns momentos. Charlie aguardou a resposta tão ansioso
como Serena, imaginando o que o garoto seria capaz de responder.
— Ah, mas é claro, Serena. — disse ele.
— Eu adoraria virar comida de Pokémon aquático. Por que não rolamos na areia
antes, para ficarmos à milanesa?
Silêncio.
— Você não sabe ser sutil? —
rebateu Charlie, dando-lhe um soco no braço.
— Não sei se é uma boa, princesa, —
disse, se aproximando de Serena, com um tom de voz mais tranquilo. — porque não
teríamos onde tomar banho, e tudo mais. Mas quando chegarmos a Cyllage, com
certeza!
Ela sorriu, mais alegre. Charlie
foi agora mais próximo do outro menino.
— Amanhã de qualquer forma teremos
de passar pela praia a pé. Sabe o que é pior que terra? — perguntou a Calem. — Areia.
— Não brinque comigo, Charles.
— Se bem que eu não recomendaria um
banho de mar. — ponderou ele. — Kalos é um pouco fria para isso.
...
— Café Noisette.
O garçom, com agilidade, anotou em
um bloquinho o pedido. Em seguida, levantou os olhos e encarou o rapaz. Ele
olhou para a menina, quase como um socorro, e apenas soltou um:
— O mesmo.
Concordando com a cabeça, o garçom
retirou-se, deixando-os a sós. Ou nem tanto.
Era em torno de dez e meia da
manhã, horário em que as ruas de Lumiose já estavam cheias e ativas. O café em
que estavam tinha quase todas as mesas ocupadas. O garoto estranhou que se
sentavam em uma mesa que ficava exatamente na calçada, onde pessoas passavam em
volta constantemente. Apesar de ouvir o som de carros, ali não havia muitos
transpassando — era uma rua relativamente calma.
O dia estava frio, com o céu
nublado e pálido, sem qualquer indício de sol, mas ninguém parecia se abalar
com isso. Grandes árvores plantadas espalhavam-se uniformemente pela calçada,
mas eram bem diferentes das quais o garoto estava acostumado: eram mais opacas,
e estavam sem folhas em seus galhos retorcidos e longos. As pessoas em volta
vestiam várias camadas de roupas, algumas delas bem grossas, e todas em um
estilo próprio e curioso. Seu nariz detectava diferentes perfumes, desde os
mais doces aos mais amadeirados a cada vez que alguém passava ao seu lado.
— Então, — após ouvir, voltou sua
atenção para a garota em sua frente, depois de alguns instantes perdido na
paisagem. — por que você disse que está aqui, mesmo?
Ele encurvou um pouco, tentando se
aquecer-se com uma blusa emprestada da menina.
— Eu vim para disputar a Liga
Pokémon de Kalos. — respondeu, a voz um pouco fraca. A menina, apesar de uma
expressão neutra, parecia se divertir.
— Um treinador… — analisou. —
Suponho que você já deve ter participado de outras competições, então.
— Mais ou menos. — respondeu, com
simplicidade. — A Liga de onde eu morava ainda estava sendo criada, é bem
recente.
— E você é de…?
— Konikoni. — respondeu, com
naturalidade. — Akala Island — explicou melhor, corrigindo-se. — Alol…
— Sim, eu sei onde fica. Alola. —
disse a menina, fazendo um gesto com a mão, um pouco ofendida. — Estava só
refletindo… Isso explica sua confusão no metrô hoje de manhã.
— Minha cidade era até grande lá,
mas nem se compara a… Isso. — disse, olhando ao seu redor, um pouco risonho, um pouco surpreso.
— Garoto, nós só saímos da estação
e paramos em um café de esquina. Você ainda não viu nada. — disse ela, rindo de
forma sarcástica. — Se você estivesse em Castelia, então…
O rapaz ficou a encarando, com uma
expressão dúbia.
— Castelia City… — ele continuou em
dúvida, a fazendo aumentar suavemente o tom de voz. — Unova.
Ele coçou a cabeça com um pouco de
dificuldade, dado que a blusa que vestia era um pouco pequena para o tamanho de
seu braço. A garota ajeitou seus óculos, incomodada. Um outro garçom
interrompeu a conversa quando trouxe, equilibrando em sua bandeja, duas xícaras
pequenas. Depositou-as na mesa com calma e se retirou, após receber um
“obrigado”. A menina praticamente cuspiu as palavras seguintes:
— Como assim você não conhece???
— Já devo ter ouvido falar, mas
agora não lembro. — disse, um pouco constrangido. — Mas deve ser maneira também.
— É o maior polo econômico e tecnológico
mundial. — falou, ríspida, enquanto destampava o adoçante e pingava pequenas
gotas sobre seu café. — E minha cidade natal, é claro.
O rapaz olhou para sua xícara,
sentindo um aroma delicioso. Já havia provado café, mas claramente não na mesma
situação e nem com o mesmo aroma. Uma fumaça quente era emanada da bebida, que
o tentou, naquele frio. Tomou um gole, mas logo afastou a xícara, abanando a
própria boca.
— Acho que você não deve ser muito
acostumado com café bem quente. — deduziu ela.
O rapaz soltou um riso
desconsertado. Pegou um saquinho de açúcar e despejou quase inteiro na bebida,
mexendo com uma pequena colherzinha de metal. A garota observava o movimento
tranquilamente enquanto bebia do café quente de forma natural.
— Então quer dizer que tu não é
daqui também? Eu jurava que era nativa de Kalos. — comentou, tentando puxar
assunto.
— Não, estou aqui há dois meses. —
respondeu.
— Também é treinadora, então? —
questionou ele, empolgado.
Ela deu uma risada debochada.
— Não, não sou uma treinadora. —
disse, ainda rindo. — Sou uma pesquisadora. Mas não de Pokémons. — especificou.
— De ciências mais humanas, mesmo.
— E por que uma pesquisadora como tu deixaria teu lar tão maravilhoso pra viver nesse… Inferno gelado? — perguntou,
um pouco provocativo.
Ela mexeu seu café com uma colherzinha,
observando o desenho na espuma do leite, e o vapor quente subir. Seus óculos
embaçavam ligeiramente quando fazia isso.
— Unova é a melhor. — disse, tirando
os óculos para limpar e revelando um par de olhos azuis penetrantes e
impassíveis. — Mas Kalos é o berço da nossa cultura. O berço da razão, da
história, da arte, e da moda. Eu precisava de um tempo de estudos por aqui —
respondeu ela, com um sorriso confiante no rosto.
— E nunca pensou em ser treinadora?
— questionou ele um pouco duvidoso.
Ela sorriu:
— Garoto, você fez uma escolha
interessante mudando-se para cá. — falou, enquanto puxava alguns de seus livros
na bolsa, após tomar o último gole. — Kalos tem uma liga tradicional e
histórica. Mas não é um bom momento. As batalhas não estão exatamente em alta
como antes.
— E por quê? — indagou,
rispidamente.
Ela riu, estendendo as mãos, para
que olhasse à sua volta.
— A moda, a tecnologia… A história.
— disse, mostrando a capa de um de seus livros. — Sair ao redor do mundo,
lutar, virar um mestre Pokémon… — falava, de modo caricato. — Tudo isso é bem
legal. Mas o mundo é muito mais que isso. Pessoas crescem. Civilizações
evoluem.
— Eu acho que você tu errada. —
disse ele, de uma vez.
— Bom, pense como quiser, garoto. —
falou, confiante, enquanto puxava uma carteira em sua bolsa.
A menina levantou a mão, e o garçom
lhe trouxe a conta. Ela tirou algumas notas da carteira e deixou junto com o um bilhete que indicava o valor a ser pago. Em seguida, depositou novamente a carteira na bolsa. Voltou os olhos
para o rapaz mais uma vez, que ainda a observava com dúvida.
— Está pago, e com a gorjeta
inclusa. — explicou. — Eu preciso ir, estou atrasada, e minha amiga já deve
estar me esperando.
— Ei, não, deixa eu pagar, gatinha. Tu já…
— Fica de cortesia. — disse, de
maneira quase grossa, colocando a bolsa em torno dos ombros e segurando os
livros contra o peito. — Deixe-me dar três conselhos a você… Desculpe, não
perguntei seu nome.
— Mikala. — respondeu, de forma
simples.
— Mikala, — corrigiu. — Meu nome é
Ashley. — apresentou-se, sem muito enfoque. — Primeiro: na cidade grande, tempo
é dinheiro. Acostume-se com isso.
Ele acenou com a cabeça, não
convencido, mas não debateu. Apenas ficou aguardando as próximas palavras da
menina, como quem aguarda as próximas barbaridades a serem ditas.
— Segundo, — falou, levantando-se.
— Vá para o laboratório do Professor Sycamore. Fica a algumas ruas daqui. Ele
vai poder te ajudar.
Ela se levantou, ajeitando a bolsa
no ombro, e começou a se afastar. Quando ia passar ao seu lado, Mikala a segurou pelo pulso e indagou, sem encará-la:
— E o terceiro?
— Terceiro, — disse ela, voltando-se,
para ele, e aproximando-se o suficiente para que ele visse o hálito da menina
subindo como um vapor quente. — o estilo surfista já está batido desde a década
passada.
A menina começou a andar, e Mikala
cruzou os braços. Quando sentiu a dificuldade, pelas mangas curtas da blusa que
usava, gritou, virando-se para ela:
— Sua blusa!
—Não precisa devolver. Não quero
que você morra congelado, assim. — disse ela, com um sorrisinho.
Ele soltou um longo suspiro. Quando
olhou para a cadeira em que ela estava sentada, notou um pequeno pedaço de
papel, que deveria ter caído de sua bolsa quando ela pegou os livros. Ele examinou
o que tinha escrito, e entre várias informações e dados sobre o trabalho da
garota, havia um endereço.
“Edifício
Notre Reve, Vernal Avenue. Quarto 32”
O garoto ficou sentado, observando
as pessoas passando pela rua. Falatórios em um sotaque estranho, uma brisa
gélida soprando, contrastando com o vapor quente de seu café. Ficou observando
a xícara da menina. Sentiu-se perdido, e ficou a questionar se de fato estava
tomando a decisão correta ao ter se mudado. Em Alola tudo seria diferente
naquele momento. As pessoas estariam se cumprimentando, rindo alto, e bebendo
algo para refrescar. Tomou um longo gole quente de café para tentar afogar o
sentimento ruim. Um novo caminho o aguardava.
Quando a garota estava prestes a
passar em frente à porta do café, acidentalmente trombou com m homem alto,
derrubando os livros que carregava. Ele abaixou-se para ajuda-la, se
desculpando. Ela recolheu dois dos livros, mas um terceiro ele ficou encarando
em suas mãos, enquanto gradualmente colocava-se novamente de pé. Ashley o olhou
discretamente, notando uma barba e um cabelo ruivos bagunçados, mas em um
estilo sério ao mesmo tempo. Vestia um terno negro com a lapela coberta por
grossos pelos brancos. Ela sabia que era um dos cientistas mais importantes de
Kalos, Lysandre.
A capa do livro dizia “KALOS:
Formação histórica e a Grande Guerra”
— Livro interessante. — disse o
homem, com um tom de voz grave e interessado.
A menina puxou o livro de sua mão,
um pouco séria.
— Obrigada. — disse, voltando a
caminhar, um pouco incomodada. O homem sorriu e ficou observando enquanto a
garota de cabelos ruivos desaparecia na multidão.
— Calculo que em mais meia hora
chegaremos a Ambrette. — tranquilizou Charlie.
— Nós estamos andando o dia
inteiro. — argumentou o garoto. — Podemos fazer mais uma parada?
— Nossa última parada foi quinze
minutos atrás.
Vendo que Calem de fato estava
cansado, concordou. De fato haviam percorrido um caminho imenso ao longo das
horas, maior que em qualquer outro dia de viagem, principalmente quando
precisaram se desviar de Cyllage para Ambrette. O sol estaria prestes a se por,
mas por sorte era possível avistar ao longe algumas edificações no final da
formação rochosa, que indicavam que a próxima cidade estava um tanto perto.
O trio procurou um local para se
sentar. Calem retirou seu clássico paninho e verificou onde iria apoiar-se.
— Eu disse que poderíamos dormir na
caverna e continuar o caminho amanhã. — comentou Charlie, sobre a caminhada.
— Dormir na caverna. — gargalhou
Calem. — Há há. Engraçadíssimo,
Charles. Poderíamos inclusive dormir de ponta cabeça, com os Zubats que moram
lá. Seria ótimo.
— O caminho alternativo até Cyllage
é enorme. — continuou o garoto. — Ainda bem que temos Ambrette no caminho.
— Parece uma cidade interessante. —
falou o outro, observando seu guia de bolso. — É um polo de pesquisas de Kalos.
— Imperdível. — disse, sem muita
animação.
— Seu interesse científico me
encanta.
— Cal… — Serena interrompeu a
conversa, enquanto ainda observava a vista, e bebia um gole de água em sua
garrafa. — Você tem treinado?
O garoto ficou um pouco espantado
pela pergunta, mas concordou.
— Que pergunta, Serena. É claro que
eu tenho treinado. Por que a pergunta?
— Por que sua próxima batalha de
ginásio vai ser em alguns dias, e a última foi…
— Um desastre. — resumiu Charlie,
sem hesitar.
— Charlie! — protestou a menina,
dando-lhe um tapinha. Em seguida voltou-se novamente para o primo. —Você
ganhou, mas eu sei que os próximos combates precisarão de mais prática.
— O ginásio de Cyllage é
especializado em tipos rocha. — disse simplesmente o garoto, sem muitos
detalhes. — Já tenho um plano que envolve o Senhor Peixe.
Um silêncio sucedeu esse momento,
se não pelos sons ambientes, até Charlie quebra-lo:
— O que poderia dar errado?
Naquele momento os três pararam
para observar o sol que se punha ao longe. O sol, com a luz já mais fraca,
pintava o céu em tons que variavam do amarelo ao roxo, passando pelo rosa. As
águas formavam um caminho alaranjado e brilhante, o tom de azul já se tornando
mais escuro. O som das águas também parecia mais singelo, e o vento começava a
dar tréguas, parecendo mais uma brisa.
Alguns treinadores já montavam barracas para acampar na rota, enquanto outros seguiam o caminho até Ambrette. Todos, de certa forma, admiravam a vista que lhes enchia o olhar. Embora a região tivesse belezas de todos os tipos, nenhuma se equiparava àquele lugar.
— O interior é bonito. — admitiu Calem, pronto para continuar a
caminhada antes de escurecer. — Mas admito que o pôr-do-sol no litoral tem suas
belezas também.
...
Toc
toc toc.
Ashley correu de meias pelo chão
liso do apartamento, tomando cuidado para não escorregar. Puxou as mangas de
seu moletom comprido para permitir que a mão abrisse a porta. Quem estaria
batendo na porta àquele horário, sem o aviso da portaria? Quando abriu,
deparou-se com um rapaz alto de pele negra, cabelos bagunçados e sorriso empolgado – o mesmo que havia encontrado na
estação de manhã.
— Sua blusa. — falou ele,
entregando-lhe a veste.
A garota quase soltou um grito de
susto em encontra-lo, mas ele a encarava com serenidade.
— Como você entrou aqui? —
questionou, alto, tomando sua blusa da mão dele.
— Pela porta, ué. — disse, de maneira óbvia. — Tinha um pessoal que estava entrando e eu vim
junto.
— Você não pode fazer isso, tem que
dar seu nome para o porteiro na entrada. — rebateu ela, esfregando a palma da mão no
rosto, mas logo se acalmando. — Obrigada.
Quando ela estava prestes a fechar
a porta, ele colocou a mão para impedir.
— Ei... — disse. Ela abriu a porta,
não melhorou a expressão em sua face. — Eu posso ficar aqui? O Centro Pokémon está
lotado. — pediu, com uma expressão de dó no rosto.
A garota o encarou como se tivesse
dito um absurdo.
— Eu moro no apartamento de uma
amiga, não posso sair te convidando assim. — falou, simplesmente, pronta para
fechar a porta. — Boa noit…
— Quem é, Ash? — uma voz veio ao longe, revelando uma outra
menina, que fez uma expressão de surpresa ao ver aquele rapaz na porta. — Nossa.
— disse, ainda um pouco impactada com
sua aparência. — É seu amigo? Não quer
entrar?
— Ele já está de saída. — respondeu
Ashley por ele.
— Na verdade, eu adoraria. — disse
o rapaz, tirando os sapatos para entrar, de forma que as duas tenham achado esse
gesto curioso.
O apartamento era pequeno, mas
tinha um ar acolhedor. A cozinha logo se interligava com a pequena sala, tendo
um balcão dividindo os dois espaços, com cadeiras altas. Havia um sofá bege
acolhedor sobre o tapete colorido no chão, e a iluminação não estava muito
forte, dando um efeito convidativo.
— Eu estou fazendo chocolate
quente. — falou a menina. — Aceita uma
xícara?
Ela tinha cabelos cor de mel
curtos, na altura dos ombros, e era pouco mais alta que Ashley. Tinha olhos
castanhos grandes e curiosos e um sorriso cativante. Também usava um moletom
grosso e uma calça larga, em combinação com uma pantufa de Bunnelby para
proteger os pés. Ele sorriu para ela em resposta:
— Seria muito bom, gatinha.
— Já percebi que não é daqui. —
disse ela, dando uma risadinha, enquanto colocava o chocolate em uma caneca.
— Sou de Alola. — explicou ele,
estendendo a mão para pegar a bebida.
— Alola… Uau, isso é longe mesmo! —
disse ela, momentaneamente afastando o
braço de susto. Em seguida aproximou novamente e entregou-lhe a caneca. — Cuidado, está quente. — alertou enquanto sentava-se em um dos bancos
perto do balcão da cozinha. — Está aqui há quanto tempo?
— Umas… Doze horas. — respondeu.
— Está ficando em algum hotel? —
perguntou, preocupada.
— Hm, na verdade estou procurando
onde ficar. — admitiu ele, rindo.
— Fica aqui com a gente. — sugeriu a menina, levando um olhar fuzilante
de Ashley. — Eu também me mudei faz uns seis meses, então sei como é. Pode ficar até
achar um lugar pra morar.
— Ele é treinador, Hazel. — interveio
a ruiva.
— Melhor ainda, logo ele já vai viajar novamente. — disse ela ainda mais confiante. — Para onde
você vai quando sair de Lumiose?
Ele fez uma expressão de confusão e
soltou uma risada despojada, como se indicasse que não fazia ideia. Ela riu de
volta.
— Já vi que está perdido. Tem um
ginásio aqui, — explicou. — e daqui a uns dias a Ash vai viajar pra Cyllage
e Geosenge. Ela pode levar você. — sugeriu, dando de ombros. — Não é um litoraaaaal como as praias de Alola
devem ser, mas acho que você vai se sentir mais em casa.
Se os olhares matassem, certamente
Hazel já teria sido morta por Ashley. Vendo o incômodo da garota, Mikala fez um
gesto de que não precisava:
— Eu não quero atrapalhar.
— Imagina! — falou Hazel, jogando a mão de cima para baixo.
— Em Nacrene a gente não deixa a pessoa
na mão.
Ele sorriu, revelando uma expressão
de satisfação. Hazel pediu ajuda para Ashley em pegar cobertas para o rapaz
passar a noite no sofá do apartamento, apesar dos protestos de Mikala para
ajudar também. Ele ouviu as duas discutindo, tentando fazê-lo o mais baixo
possível, mas ainda assim ele conseguia ouvi-las murmurando. Ao final, Hazel
deu-lhe boa noite, enquanto a ruiva levava-lhe uma toalha. Ele ficou segurando
a toalha e a encarou.
— Valeu por me receber aqui. —
disse, com um sorriso fino.
Ela desviou o olhar, largando a
toalha em suas mãos.
— Não se acostume, você vai embora
logo. — disse.
— Quando a gente vai pra aquela
cidade lá? — perguntou ele.
— Você não vai pra Cyllage comigo. —
falou ela, rindo.
Ele coçou a cabeça.
— Cara, você é muito chata.
Embora devesse ser uma ofensa, a
menina deu uma risada alta, encarando-o por trás de seu par de óculos. Ela
apertou um botão do interruptor, deixando-os na penumbra, enquanto disse, ao ir
deitar-se em seu quarto:
— Seja bem-vindo a Kalos.
O rapaz sentou-se próximo à janela,
enrolado em seu cobertor e bebendo do chocolate quente que lhe fora servido. Até
onde seus olhos alcançassem, podia ver prédios e mais prédios, ruas iluminadas,
e uma imensa torre ao longe, a qual já havia visto em muitos pôsteres e cartões
postais. Tinha que admitir que tudo aquilo o deixava boquiaberto, embora
sentisse uma pontada de saudade de seu continente, onde dormiria com o som das
ondas quebrando na praia, e não com os inquietantes ruídos da Cidade Luz, onde os sonhos se encontravam.