É chegada a hora de enfrentar nossos maiores pesadelos!
Eu sempre medi muito as aparições do Team Flare. Eles apareceram de maneira muito sutil na Saga X inteira, e no começo da Saga Y tivemos um pouco mais de sua importância. Sei que para nós as coisas são óbvias no jogo - eles são vilões, cuja função é mandar um milhão de grunts pra nos destruir. Contudo, as coisas não são tão simples assim por aqui. Na sua primeira aparição, eles estavam tendo uma conversa sobre pedras. Agora, eles enfrentaram nosso trio protagonista - mas porque são fugitivos procurados que invadiram a usina em que eles trabalham. Ou seja, o mundo - tirando algumas teorias da conspiração - não tem muito pra acreditar que aquela organização estranha seja vilã de qualquer coisa. São um grupo de cientistas, mas até aí Sycamore também tem o seu, assim como a Ashley.
Porém, por pequenas sutilezas, começamos a ligar as coisas. No geral acho que o pessoal pode achar meio clichês as tramas de lendários, facção criminosa e tudo mais, por serem personagens já dos jogos e a gente ter uma ideia de quem são ou o quê querem. Mas quebrei bastante a cabeça pra conseguir fazer algo massa durante a fic, por isso tentei se o mais cauteloso possível em cada aparição. Ainda tem algumas referências meio simples, mas que são dos próprios jogos, como os campos magnéticos na Route 13 e o passe de entrada da usina caído aleatoriamente na entrada ~rs Inclusive, tenho tentado dar uma atualizada nas páginas de personagens por essas semanas. O que mais falta são os novos Gijinkas, que dão um pouco mais de trabalho, mas estou atualizando as fichas de outros personagens, então fiquem de olho! E preparem os corações de vocês, porque agora entramos no Arco de Lumiose e olha, vou dizer: tá paulada atrás de paulada (isso vindo do cara que não dá paz pros 3 protagonistas dele). Preparem os corações que o capítulo 36 vem aí!
Quando estamos sonhando, nunca nos
lembramos como fomos parar lá.
Era assim que Serena se sentia.
Mas, quando sonhava, com certeza as coisas nunca eram tão lúcidas quanto
naquele instante. Na verdade, nos últimos meses, ela havia prestigiado momentos
daquele, em que apreensivamente se sentia perdida dentro de pesadelos que a
consumiam e controlavam, onde seu mundo parecia ser absorvido e dar lugar a um
inferno carregado de temores.
Até que ela abria os olhos e,
surpreendentemente, estava tudo bem. Na medida do possível, é claro.
Naquele momento, porém, ela parecia
estar em um deserto. Era noite, uma noite tão fria que se perguntava se
desertos não eram quentes como havia imaginado. Não era um deserto de areia,
mas uma terra tão seca e desolada que só encontrava rachaduras naquele solo
desgastado e sem vida. Terra e pedra, por onde quer que olhasse. Acima de tudo,
quando gritou por alguém, não havia sequer uma alma que pudesse ampará-la. O
eco de sua voz se perdia nos rochedos montanhosos e não traziam nenhuma
resposta.
Ela caminhava. Floette estava com
ela – o que parecia curioso, pois era um Pokémon que com certeza não se sentia
à vontade naquele espaço inóspito e sem qualquer sinal de flores e de plantas.
Mas ela estava melhor por não estar sozinha. Caminhava por aquelas terras
lutando contra o vento frio, cerrando os olhos para se proteger da poeira e
para tentar enxergar em meio àquela noite escura e sem estrelas.
Ouviu passos, dessa vez que não
eram seus. Olhou correndo para uma direção e tomou um susto, mas não gritou.
Era um homem? Talvez, mas ela nunca antes haveria encontrado um homem daquele
tamanho. Deveria ter três metros de altura, pois ela precisava inclinar a
cabeça para enxergá-lo. Ela não era mesmo muito alta, mas naquele momento se
sentiu tão pequena e insignificante que deu um passo para trás.
Ele tinha cabelos longos e
grisalhos, tão gastos que talvez não os lavasse há muito tempo. Ele não parecia
se importar com isso, as pontas se embaraçavam em longas mechas que caíam por
todos os lados. Tinha tantas camadas de roupa que ela se perguntou se ele
viajava – mas naquele frio com certeza ela invejou de ter algumas camadas de
roupa a menos.
Quando ele deu um passo ela
enxergou sua feição. Ficou assombrada, mas ao mesmo tempo não parecia alguém
ruim. Parecia cansado. Tão exausto
como uma alma perdida naquele deserto, tão sem força e energias que seu corpo
perdia o próprio significado de ser. Alto, como uma árvore, seus movimentos
pareciam lentos. Ele encarou a menina sem levantar a pálpebra, mas forçou a
vista para enxergar aquela pequena criatura que estava ao seu lado.
De repente, arregalou o olho, dando
um passo. Ela recuou.
Ele estendeu os braços enormes, e a
Floette de Serena se afastou, com medo. Tinha medo de seres humanos que não
fossem sua treinadora. Especialmente aqueles de três metros que ela encontrava
em um deserto à noite. Ele moveu os lábios como quem iria falar algo. Ensaiou,
feito uma máquina enferrujada que tentava mover as engrenagens para operar como
há anos não fazia. Conseguiu balbuciar em um tom tão grave, que se um túmulo
antigo pudesse falar, com certeza teria aquela voz – desgastada e melancólica.
— O Pokémon flor.
Ele abriu a mão, porém Floette não
se moveu. Tinha uma expressão de desespero no rosto, mas também não recuou. O
homem, com muito custo, se ajoelhou. Tentou encará-lo mais de perto, mas logo
abaixou a cabeça. Estaria chorando? Ele levantou, desajeitado, quase caindo.
— D-desculpe.
Ele parou de costas e olhou perdido
para longe. Depois de tanto tempo achou que finalmente havia encontrado – mas,
mais uma vez, era uma ilusão perdida. Encarou a imensidão de terra arrasada,
sem perspectiva e soltou um lamento.
— Desculpe Floette.
Serena tremia.
— Senhor…
Ele olhou com calma para a garota,
examinando-a. Ficaram por intensos momentos congelados.
— …dela
— O quê?
— Cuide…Dela…
Serena olhou para o Pokémon e
assentiu com a cabeça. Não sabia se deveria perguntar qualquer coisa, estava
confusa. Ele olhou para o céu que não reconhecia, sem sequer poder se guiar
pelas estrelas.
— Está perto…
Serena sentiu um calafrio.
Silêncio.
— O que está perto?
— O terceiro levantar.
Naquele momento ela notou que ele
carregava em seu pescoço um colar, com um enorme adereço pendurado. Era uma
chave, uma chave grande, daquelas que já vira em museus, bem antiga. Afinal de
contas, ele tinha uma moradia? Para onde aquela chave o levaria? Aquela figura,
por si só, já levantava perguntas. Mas seu tom perdido, quanto mais falava,
menos explicava.
— Precisa impedi-lo.
Serena prendeu a respiração.
— Ele quem?
De súbito, o homem avançou em sua
direção com um enorme passo e a segurou pelos braços. O coração de Serena
saltou, sentiu as mãos frias e os dedos sujos e enrugados apertando sua pele, o
olhar perdido e desesperado daquele homem, suplicantes, tão velhos quanto as
jóias dos impérios mais antigos. Parecia um zumbi, o bafo pútrido passando por
seu rosto enquanto ele a chacoalhava:
— Precisa impedir ele! — gritou,
quase em um tom de choro. — O criminoso. O criminoso os trai. — ele começou a
chorar. — Precisa impedir, precisa!
♠ ♣ ♠
Calem deu um estalo com os dedos.
— Kalos para Serena.
Ela balançou a cabeça.
— Desculpe.
— Vai querer o leite morno ou
quente? — repetiu ele.
Ela coçou a cabeça e demorou alguns
segundos para formular a resposta.
— Pode ser quente.
Calem aumentou o fogo da boca do
fogão. Charlie estava sentado ao lado na mesa da cozinha, lendo um jornal que
sequer era o do dia. Serena apoiava a cabeça na mesa; levantou o tronco e se
colocou em uma posição melhor para esperar o café da manhã ser preparado no
pequeno quartinho. Calem encarou ela de novo.
— Passou a noite acordada?
Ela nem levantou o olhar.
— Tive pesadelo de novo, acho.
Ele voltou a focar no fogão.
Terminou o que faltava e colocou tudo na mesa. Charlie fechou o jornal e
ajeitou sua cadeira. Calem tocou a prima na cabeça, como em um pequeno carinho
e um olhar sem jeito, quase acostumado.
— Essa fase vai passar.
♠ ♣ ♠
— O tempo seco destrói meu nariz. —
resmungou Calem, fungando.
De fato, quanto mais adentravam
aquela área, mais seco parecia. Os resquícios do clima da Coastal Kalos ficavam para trás com Coumarine City, a cidade que ainda carregava um pouco do litoral da
região. Gradualmente estariam de volta à área central, mais próxima do
interior.
A Route 13 era também conhecida como Lumiose Badlands. Diferente de toda a área de Kalos, as constantes
explorações tornaram aquele um local quase desértico com o passar das décadas.
Ainda assim, era conhecida por seu potencial energético ainda muito relevante
em toda a região, localização da Kalos Power
Plant. O trio encarou aquela imensidão de terra seca, um pouco apreensiva.
— Deve haver outro caminho. — disse
Serena, abraçando com força seu ovo Pokémon.
— Parece pior do que é — disse
Charlie. — Em menos de um dia de caminhada conseguimos chegar ao final.
— A costa de Kalos está toda
protegida. Não podemos voltar para lá. — murmurou Charlie.
— Vamos passar o mais rápido
possível. — acrescentou Calem. — Vai ficar tudo bem.
Serena respirou fundo e concordou,
mas não parecia muito convencida. Thanos espreguiçou na bolsa de Charlie mas,
após perceber que o local não parecia muito agradável, voltou a dormir. Os três
avançaram em sua caminhada pelo território quase desértico. Só encontravam o
mesmo cenário por onde quer que olhassem. Poucas plantas estavam vivas naquele
espaço, apenas as que suportavam longos períodos sem água e grande intensidade
de sol.
Calem acompanhava uma bússola na
mão direita e tinha um mapa na área esquerda. Aquele território parecia maior
que realmente era e, àquela altura, já havia algumas habitações que auxiliavam
viajantes naquele espaço. Ainda assim, era importante tomar cuidado, pois não
era um local onde gostariam de passar mais tempo que o necessário.
Ele parou de andar quando percebeu
os ponteiros da bússola se movendo intensamente.
— Eu estava com medo que isso
acontecesse. — resmungou o garoto.
— O quê? — indagou Charlie.
Calem mostrou a bússola maluca.
— Essa é uma área de campo
magnético anômalo… — balbuciou — Alguma peculiaridade faz com que as ondas se
comportem de um jeito anormal. É ótimo para que algumas espécies sobrevivam —
disse ele guardando a bússola — mas péssimo pra que a gente consiga se
localizar.
— Que ótimo — resmungou Charlie,
balançando suas roupas já com calor.
Serena olhou para o lado. Sentiu
algo esquisito, como uma pequena vibração chamando sua atenção. Ficou em
silêncio, e cada vez mais parecia que se tornava nítido, ainda que distante.
— Estão ouvindo isso?
Os outros ficaram em silêncio. Já
estavam prontos para dizerem que não, mas logo tornou-se perceptível o mesmo
ruído. Não apenas o som, mas o próprio chão parecia se mover. Calem entrou em
desespero. Sabia que, apesar de incomum, era possível que algumas áreas fossem
sujeitas a terremotos. E ele sabia que tinha azar o suficiente para presenciar
algum evento desses.
Contudo, era estranho. Não como um
terremoto, mas como se alguma movimentação do chão estivesse acontecendo
debaixo de seus pés. O garoto deu um salto e soltou um grito quando uma
criatura saiu debaixo da terra, em um só pulo. Era um Trapinch, uma espécie de
larva que habitava apenas áreas áridas do mundo Pokémon, preferindo viver
debaixo do solo.
— O SUSTO QUE EU TOMEI. — berrou
Calem.
Os outros dois deram risada do
evento. O Pokémon era pequeno e inofensivo, deveria ter se assustado com a
movimentação mas, logo que encontrou os treinadores, voltou a caminhar como se
nada tivesse acontecido. Calem puxou de seu bolso uma Pokébola e a disparou em
direção da criatura, que entrou no chão antes de ser atingido. O garoto
resmungou, pegando o objeto de volta.
Serena olhou para trás, apontando
rapidamente.
— O que é isso? É mais algum
Pokémon? — indagou.
Calem e Charlie encolheram os olhos
para tentar ver melhor. Subitamente, Calem tomou outro susto.
— É uma tempestade de areia.
— E agora? — indagou Serena.
— Agora a gente corre. — falou
Charlie, se preparando para ir em disparada
— Não vamos conseguir despistá-la.
— disse Calem, a voz sumindo.
Contudo, Charlie simplesmente
disparou. Sem ter tempo para pensar, Serena foi atrás, e Calem não viu muitas
alternativas se não correr também. Era inútil, ainda assim, tentar ir contra a
natureza. Apesar de não ser uma área propriamente de areia, a falta de umidade
constantemente provocava as tempestades de poeira naquele espaço, fruto
principalmente das massas de ar que vinham da área litorânea não tão distante. A nuvem de poeira seguia com uma velocidade tão alta que os alcançaria
em não muito tempo. Era difícil correr naquele território que vez ou outra
tinha “pegadinhas” no chão, como pedras e espinhos.
O menino avistou algo não muito
distante. Era a Kalos Power Plant, a
usina de energia. Eles sabiam que ficava localizada naquela rota, mas não se
lembravam onde. Era um complexo de construções metálicas imensas, que abastecia
não apenas Lumiose, a maior cidade de Kalos – e também muito famosa por suas
luzes – como as cidades ao redor.
Charlie bateu na porta que encontrou,
mas não houve qualquer resposta. Os outros dois pararam junto dele, a
respiração ofegante e pesada. A cada segundo a tempestade de areia se
aproximava mais. Serena olhou para o chão e, como um milagre, encontrou um
pequeno cartão. Ela tentou usá-lo em um sensor próximo à porta e viu
a fortaleza de metal se abrir em um elevador. Com a reprovação no olhar de
Calem, os três entraram, tentando fechar a porta o mais rápido possível.
Suspiro. Os corações pareciam
tentar saltar do peito de cada um.
Charlie havia apertado qualquer
botão para que as portas se fechassem. Só então perceberam que estavam de fato
descendo para algum lugar, sem que sequer fossem autorizados para isso. Quando
as portas se abriram, antes que Calem mandasse que fizessem o caminho de volta,
os outros dois saíram, admirados.
Apoiaram-se nas grades para espiar
para baixo, vendo diversos andares a perder de vista onde aquele bloco da usina
funcionava. Tubulações e fiações se conectavam em tantas voltas e caminhos que
era difícil dizer de onde saiam e para onde iam. Ruídos metálicos eram
frequentes e intensos, bem com quaisquer sons que pareciam emitidos de um lugar
industrial: engrenagens, gás, botões.
Funcionários caminhavam em várias
direções, carregavam equipamentos, traziam pastas cheias de documentos. Muitos
usavam jalecos de cientistas, outros vestimentas próprias para manusear os
equipamentos perigosos de geração de energia. Mas, sobretudo, diversos
utilizavam roupa social que indicava a posição de respeito e imponência que
ocupavam, em tons de laranja tão vivos quanto o fogo.
— São eles de novo? — indagou
Charlie, pensativo. — Team Flare...
Calem sentiu um arrepio.
— Não estou com um bom
pressentimento.
Antes que pudesse chamar o elevador
novamente, percebeu que precisava de uma identificação para sair. Colocou as
mãos no bolso e notou que deixaram o cartão na entrada, no momento em que
entraram desesperados. Chutou o ar, nervoso. Levantou a cabeça e avistou uma
pequena câmera; tornou a fitar o objeto, como se este o encarasse de volta.
Virou de costas, incomodado, indo atrás dos amigos.
— Precisamos sair daqui.
Charlie segurou-o pelo ombro.
— Você está louco? Não pode abordar
qualquer um.
Calem removeu sua mão.
— Eles já sabem que estamos aqui
— e apontou para a câmera. — Vamos
explicar a situação e ir embora de uma vez.
Serena agarrou com firmeza seu ovo
Pokémon. Muitos metros acima havia um mural, decorado de maneira artística com
um símbolo que se assemelhava a chamas, tomando diversas formas em uma batalha, como uma figura religiosa. Cravadas letras em uma linguagem relativamente incomum de se perceber na Kalos
contemporânea, mas Serena havia estudado o suficiente quando mais jovem para
decifrar sem problemas.
“Le jour de la liberté et du pain arrive, en
feu”
— O dia da liberdade e do pão despontará
em chamas. — sussurrou a garota.
Antes que os meninos pudessem
decidir qualquer coisa, ouviram o som de um grupo subindo as escadas, que
rangiam em metal. Calem suou frio, mas não havia para onde correr. Logo, um
número de homens e mulheres com o mesmo uniforme laranja vinha dos dois lados,
com expressões fechadas e olhos cobertos por óculos escuros. Alguns deles
traziam consigo Houndour, que
rosnavam enquanto exibiam seus dentes capazes de dilacerar qualquer um sem
muito esforço.
— Nos acompanhem, por favor. —
disse um dos rapazes, com uma serenidade que parecia um convite.
Calem deu um passo.
— Não queremos problemas. — disse.
— Entramos fugindo de uma tempestade de areia. Somos só treinadores, só
queremos sair.
Uma das moças estendeu um papel e o
jogou na direção de Calem. O garoto dirigiu-lhe os olhos, percebendo o que era.
Um cartaz de “procurados”. Mais um. E com uma foto horrível. Engoliu em seco,
com as mãos levantadas.
Os três se entreolharam e não
tiveram muita alternativa se não acompanhá-los. Entraram os três cercados no
elevador, onde pressionaram uma tecla que indicava um andar bem abaixo do solo.
Havia uma imensa tensão no pequeno espaço enquanto os números passavam, só
então parando em um andar escuro e uniforme, como um conjunto de escritórios.
Entraram em uma sala, onde uma moça
estava reunida com outros integrantes, mas parou de falar assim que recebeu
suas visitas. Os três se sentaram em cadeiras confortáveis demais para
fugitivos da polícia. A moça tinha alguns diplomas e certificações decorando a
parede, enquanto uma lousa expunha várias equações físicas rabiscadas umas
sobre as outras.
A mulher caminhou alguns passos.
Trajava óculos que cobriam seus olhos tão tecnológicos que eles se aproximaram
com lentes quando ela parou para examiná-los. Tinha cabelos ruivos bem curtos,
e um batom alaranjado impecável. Ficou a encará-los e respirou fundo.
— São eles mesmos. — e sentou-se em
sua cadeira. — Ligue para a polícia.
— Espere! — protestou Serena.
Antes que qualquer um pudesse fazer
algo, um Houndour rosnou, fazendo Charlie puxá-la novamente, por mais
incomodado que estivesse. Na mesa dela era possível ler “Dra. Aliana –
Cientista Administradora do Setor Energético” em uma plaquinha de metal. Serena
olhou nos olhos – ou onde imaginou que estariam os olhos – daquela moça.
— Somos só treinadores, estávamos
caminhando pela rota... É só um mal entendido.
— O único mal-entendido — disse Aliana,
séria. — são fugitivos entrando sem autorização dentro de nossa empresa.
— Sua empresa? — indagou Charlie. —
É a usina energética de Kalos.
Aliana deu de ombros.
— Faz algum tempo que o Team Flare
tomou posse da Usina. — respondeu ela. — Não desviem o assunto.
Calem se lembrava das notícias,
aparentemente o acordo havia sido firmado há algum tempo. As negociações
deixaram boa parte da população insatisfeita, mas ele não havia parado para refletir com calma sobre a questão. E havia outras preocupações naquele momento
especificamente. Serena tremia – o ar-condicionado naquela salinha
claustrofóbica já a deixaria arrepiada além da situação toda.
— Essas equações — Calem disse,
apontando para a lousa com a cabeça. — não são de nenhuma energia conhecida...
Nenhuma atingiria esse valor.
Aliana lutou para se manter neutra,
mas algo em sua feição entregara que titubeou.
— Polícia de Kalos... — disse
uma voz robótica no telefone, mas Aliana apertou um botão que a desligou
naquele mesmo segundo.
— O que você sabe sobre isso? —
indagou, aumentando o tom de voz.
Charlie e Serena agradeceram Calem
mentalmente por ter passado tanto tempo de sua vida estudando antes de sair em
uma jornada. Ele poderia não saber lidar muito bem com Pokémon – ou com pessoas
– mas, vez, ou outra seus conhecimentos relembravam o grupo que não era
qualquer garoto em uma jornada.
— Essa energia hipotética, ela tem
um símbolo antigo. Infini... Infinito.
Alguns segundos de silêncio
perduraram. Serena se lembrava dessa conversa, Calem havia tido com o professor
Sycamore. Ela se arrependeu naquele momento de não ter procurado saber mais
sobre o assunto, pois Aliana ficou congelada, assim como os demais integrantes
do grupo pareciam confusos ao ver sua comandante em dúvida.
— Quem te disse sobre isso? —
avançou, apontando para ele.
— Eu posso confessar se nos deixar
sair. — arriscou ele.
— Que tal me confessar antes que eu
entregue a cabeça de vocês para Stevan Windsor? — falou ela, puxando-lhe pela
gola da camiseta.
Naquele momento um dos funcionários
entrou correndo na sala.
— De novo? Como vocês conseguem ser
incompetentes de deixar alguém entrar nesse espaço restrito? — gritou. — Façam
alguma coisa, vão atrás!
Os amigos olharam nos olhos de
Calem. Ele fez um sinal com as mãos – a letra C, em linguagem de sinais. Os
dois assentiram, e começaram uma contagem mental de cinco segundos. Apesar da
distância do grupo nos últimos tempos, havia um comum acordo de que em certos
momentos precisavam engolir os conflitos por questões maiores – e provavam que,
ainda que o tempo passasse, restava alguma sincronia.
Charlie olhou para sua mochila. Deu
um toque com os pés, como se mandasse um sinal. Seu Pancham saltou
instantaneamente, desferindo um golpe em um dos Houndour mais próximos,
jogando-o confuso em direção alguns dos grunts.
Aproveitando-se da confusão, Serena e Calem de imediato pegaram suas Pokébolas.
Floette saiu flutuando pelos ares, disparando uma rajada de Fairy Wind ao comando de sua treinadora,
logo afastando alguns dos adversários. Calem lançou seu Honedge, que com os poderes fantasmagóricos adentrava as sombras e
atingia os inimigos com tamanha agilidade que sequer tinham oportunidade de ver
o ataque chegando.
— Não deixem eles escaparem! —
berrou Aliana, retomando consciência.
Os três começaram a correr, vendo
grupos de seguranças avançando de um lado para o outro, talvez confusos de para
onde exatamente ir. O trio conseguia abrir passagem se aproveitando da
surpresa. Quando alguém aparecia para interceptá-los no meio do caminho, era
praticamente atropelado por algum golpe: Floette despistando com seus poderes
do tipo fada e Honedge golpeando com mais precisão alguns poucos Pokémon que se
colocavam em seu caminho. O Pancham de Charlie ainda oferecia seus golpes do
tipo lutador quando necessário, pricipamente tentando fechar passagens que
deixavam para trás.
Um alarme soou pela usina inteira,
enquanto as luzes piscavam. O estado de emergência alarmou até mesmo o trio,
que corria como nunca. O pior era que não faziam ideia de como sair daquele
lugar, mas com certeza não teriam como ficar ali esperando pela bondade do Team
Flare.
— Precisamos tomar cuidado. — disse
Calem. — Não podemos interferir demais, a usina fornece energia para Kalos.
Destruir coisas que não sabemos o que são pode ser perigoso.
— Eles controlam aqui há semanas —
disse Charlie — e se tiverem a ver com o blecaute de Lumiose? Começou na mesma
época.
Qual não foi a surpresa do grupo
quando atingiram uma área central da usina e se depararam com uma outra batalha
acontecendo. Havia Pokémon típicos daqueles cadetes, como Golbats e Poochyenas.
Porém, ao centro, dois jovens mais novos que os três encabeçavam um combate.
Calem reconhecia o garoto, havia visto ele impedir um roubo no Pokémart de
Coumarine.
Ele tinha consigo uma criatura grande, com espinhos que lhe saíam pelas costas e pela cabeça, protegido em uma armadura que parecia resistente, tal qual a semente de uma árvore. Era um Quilladin, que não hesitava em investir seu corpo robusto contra os adversários em golpes físicos, enquanto tinha como parceira uma Clefairy, um Pokémon cujas origens especulava-se que vinham do espaço, o que fazia jus às suas habilidades cósmicas que confundiam os inimigos.
Um Golbat se aproximou do
Quilladin, pronto para pegá-lo desprevenido, mas o Honedge de Calem desferiu-lhe
um golpe, chamando a atenção.
— Você de novo, tio! — gritou o
garoto. — O que você está fazendo aqui?
— O que você está fazendo aqui, pirralho? — indagou Calem.
— Vocês se conhecem, Philipp? —
perguntou a menina.
— Por que não tomamos um chá e conversamos
mais tarde? — sugeriu Charlie.
Calem se aproximou dos dois.
— Não sei o que pensam que estão
fazendo, mas precisamos ir embora daqui. — falou.
— Mas a gente acabou de chegar. —
resmungou o menino com sua voz estridente.
— Garoto… — Calem o chacoalhou
pelos ombros. — Isso. Não. É. Um. Jogo. Isso é sério.
Ele estava pronto para responder,
mas os olhos de Calem traziam alguma verdade desesperada que o fez ficar em
silêncio. Olhou nos olhos de sua amiga, e ela assentiu com a cabeça. De repente
a situação poderia estar menos sob controle que imaginavam.
— Meu avô falou deles. — murmurou o
garoto. — Eles são ruins, tio. Fala pra eles, Mel!
— Você não pode simplesmente chegar
quebrando tudo em um lugar desse porque você acha que eles são ruins. — resmungou
o rapaz.
— A gente encontrou com eles na Frost Cavern… Eles não são boas pessoas,
eu juro. — falou a menina.
Calem olhou nos olhos dos dois e
também ficou em silêncio. Por mais que tivesse mil motivações para reprovar a
atitude, eles não pareciam mais apenas crianças querendo arrumar confusão. Algo
também não lhe cheirava bem quando falava do Team Flare, especialmente naquele
momento, mas não havia qualquer coisa que pudesse fazer para discutir.
De repente, interrompendo o
assunto, uma nova horda de Pokémon apareceu. Um Golbat disparou um golpe
venenoso que quase os atingiu, mas todos foram capazes de desviar. Acima de
tudo, os soldados tinham cuidado, pois sabiam que aquela não era uma área de
batalha – algum cabo danificado poderia explodir a usina e acabar com a energia
do continente todo.
— Tá a fim de unir forças de novo,
tio? — perguntou o menino.
Calem não evitou abrir um pequeno
sorriso. Até que chegassem, na verdade, os dois garotos pareciam estar se
saindo bem na batalha. O Quilladin de Phillip fazia bom uso de sua força
corporal, juntando o corpo em uma esfera enorme e atacando com o Rollout¸ou então desferindo certeiros
ataques com o Needle Arm, deixando a marca de seus espinhos. A Clefairy não possuía golpes tão intensos,
mas seus truques funcionavam perfeitamente em equipe – seu Sing derrubava alguns dos adversários, bem como era capaz de
utilizar o Follow Me para centralizar
a atenção de alguns poderes do tipo noturno, que lhe causavam poucos danos.
Ainda assim, o garoto girou, investigando
com os olhos alguma possível saída. Estavam em desvantagem, e pouco tempo
bastaria para que o Team Flare se
organizasse e os contivesse. Sempre que possível, o grupo desviava para o
próximo corredor, tentando encontrar uma maneira de sair. Apesar de os
elevadores terem sido fechados, encontraram uma passagem que dava em outro dos
prédios.
— Entreguem-se! — gritou um dos
funcionários.
Um Mightyena tentou avançar contra
Serena, mas Honedge saiu das sombras para defendê-la. Entraram em um galpão que
parecia um estacionamento, e logo Thanos golpeou a porta para que não
conseguissem forçar uma entrada. Quilladin conseguiu derrubar um dos portões,
de onde avistaram o vasto solo arrasado da Rota. Apesar de medidas de
seguranças serem tomadas, a Usina ainda era um local de trabalho de Kalos, não
muito preparada contra invasão de treinadores.
Quando saíram, era final de tarde.
Um tom alaranjado pintava os céus, e um vento frio começava a soprar. Aquela
área já era suficientemente hostil durante o dia, mas de noite certamente eles
não iriam gostar de experimentar o que poderia acontecer. Especialmente sendo
perseguidos por alguém – não que o trio já não estivesse acostumado com aquilo.
Uma placa um tanto enferrujada apontava para a frente. “Lumiose City”. Serena sentiu um arrepio.
— Vocês também vão pra lá? —
perguntou Mel, retornando seu Clefairy à Pokébola.
Calem concordou com a cabeça.
— Vamos apertar o passo.
Os garotos correram, seguindo os
direcionamentos. A rota possuía tantas áreas que, felizmente, talvez
conseguissem despistar seus adversários. No final, Phillip não sabia, mas não
precisava se preocupar. Provavelmente o Team
Flare não iria querer processá-lo por começar uma batalha no meio da Usina.
Calem entendia que seus problemas eram um tanto maiores que esse medo. Olhava
para trás vez ou outra, mas não havia ninguém. O garoto começou a pensar se,
mais assustador que eles estarem atrás dele, era não estarem; pois só os
deixariam escapar por um motivo: se tivessem certeza que os jovens seriam capturados
de qualquer forma.
Ainda assim, ver aquele amontoado
de prédios cruzando os céus, cada vez mais perto, parecia levemente
reconfortante. Não que a cidade parecesse, de qualquer forma, aconchegante a
ele. Muito pelo contrário. Mas, se tornando apenas mais um na multidão, talvez
suas chances aumentassem.
Serena parou por um segundo para
respirar fundo. Floette, ao seu lado, se virou.
Ela olhou para trás e sentiu um
calafrio.
A claridade do sol se pondo estava
muito intensa para que conseguisse ver qualquer coisa além de uma silhueta,
àquela direção. Mas, se não por sua altura, o formato era humano. Deu um passo
para trás, prendendo a respiração, mas a figura permaneceu congelada, ao longe.
Pensou que poderia até ser o Team Flare,
mas outra possibilidade a assustou muito mais que qualquer cientista de terno. Ela
quase conseguiu ouvir, tão sutil quanto o assovio do vento soprando entre as
montanhas.
“Cuide do Pokémon flor”
— Algum problema, Serena?
Mas, quando olhou de novo, não
havia nada.
— Estou com sono, só. — respondeu
ela. — Vamos nos apressar.
Em questão de momentos, estavam nas
fronteiras da cidade. Placas em outros idiomas anunciavam “Bem-vindos a
Lumiose”. Charlie quase vomitou. Diantha aparecia em um dos telões, estampando
uma nova marca de perfumes. Treinadores dos mais diferentes locais buscavam
informação nos guichês próximos ao portal de entrada, mas os jovens já sabiam
bem demais tudo o que precisavam.
Serena abraçou seu ovo com força, tentando
se retrair como um Squirtle entrando no casco. Lembrava-se perfeitamente quando
entrou lá pela primeira vez. De certa maneira, aquele sentimento, muito
pequeno, ainda a tocou: da última vez, parte da cidade estava desativada devido
a um blecaute. Porém, dessa vez, estava tudo iluminado. A Prism Tower se colocava majestosa ao longe, parecendo tentar tocar
o céu sem limites. Pessoas cruzavam o caminho aceleradas – trabalhadores,
treinadores, turistas. Todos seguindo seus próprios caminhos na grande
metrópole de Kalos.
Mas, logo se puxou de volta para a
realidade, onde não era uma das turistas em busca da próxima batalha.
Phillip coçou a cabeça
— Bom, foi massa.
Calem olhou torto para ele.
— Você não pode fazer isso. —
resmungou. — Não pode entrar em qualquer lugar e sair destruindo tudo.
— Ih, qual é, tio. — retorquiu o
outro. — Vai me dar lição de moral agora. A gente te salvou.
— Quem será que salvou quem nessa
história? — rebateu o outro.
— Parem com isso! — disse Mel. — Alguém
sabe onde a gente tá?
— Entrada para a Rota 13. —
balbuciou Charlie, tentando se localizar. — Pra lá fica o North Boulevard. Pra
cá o South. Se vocês seguirem reto, passando o Magenta Plaza, perto do Centrico
Plaza, vão encontrar um Centro Pokémon.
— Ué, vocês não vem? — perguntou o
menino.
Calem sinalizou que não com a
cabeça.
— Vamos ficar na casa de um amigo.
Os dois mais novos se entreolharam,
mas deram de ombros, como se não quisessem perguntar. O trio não poderia arriscar incluí-los em seus problemas. Ambos se prepararam para seguir
as orientações de Charlie, um tanto ansiosos para explorar as ruas da Cidade
Luz. Serena sentiu uma pontada de inveja. Ela queria estar apenas explorando
alguns novos restaurantes e ruas, mas só de estar parada ali, sentia o medo lhe
consumindo.
— Prazer em conhecer vocês. — disse
a garota, se retirando.
— Vê se não entra em mais nenhuma
enrascada, hein, velhote.
Calem rangeu os dentes, mas logo
soltou uma risada descontraída. Os dois saíam apontando para todos os lados,
apostando uma corrida até o Centro Pokémon. Enquanto isso, os três se
entreolharam – os olhos todos murchos e a respiração ainda falhando dos apuros na
Usina. Depois de múltiplos temores, era hora de enfrentar seu maior pesadelo, o
qual ainda hoje perturbava as mentes de cada um - que até então esperavam nunca mais terem de
pisar naquele lugar.
— Bem-vindos de volta a Lumiose. —
murmurou Charlie, irônico, liderando o caminho.
A Liga Pokémon é uma instituição que reúne o grupo dos treinadores mais poderosos de determinada unidade administrativa. Composta pela Elite 4 e pela figura da Campeã, a Liga de Kalos é historicamente renomada, apesar das constantes transformações pelas quais passou. Sendo originalmente ligada às famílias mais influentes no passado da região, gradualmente acabou abrindo espaço para treinadores de todas as partes de Kalos participarem dos desafios desde que conquistassem o mérito de enfrentar a Elite, assim como é frequente em outros continentes pelo mundo.
O Governo
Desde acontecimentos passados na história de Kalos, o Governo e a Liga são instituições separadas. Outrora, os grandes torneios eram realizados a fim de selecionar os mais aptos a governar o reino, muitas vezes disputando entre as famílias mais tradicionais. A própria Família Real de Kalos permaneceu no poder por um grande período, até que, na Grande Guerra, aproximadamente três mil anos atrás, o poder fosse dissolvido.
Assumiu-se que a participação governamental não deveria ser necessariamente associada às habilidades de combate, de maneira que a Liga Pokémon passasse a ser uma instituição representativa. O Campeão ainda é uma figura marcante dentro de Kalos, mas seu papel é muito maior simbolicamente que efetivamente participante nas decisões políticas. Ainda assim, é uma figura cultural forte que representa a região em muitas ocasiões, especialmente participando das decisões relativas a batalhas.
Kiloude Conference
A Conferência é um evento anual, onde treinadores de todas as partes do continente podem participar. Geralmente é sediada em Kiloude City, uma cidade ao sul de Kalos, dentro das dependências da Battle Maison. Para ingressar na competição, é necessário possuir oito insígnias oficiais e distintas da região. Os treinadores classificados são distribuídos em competições, até que reste apenas um vencedor. Este, após conquistar o posto e o troféu, recebe direito a desafiar a Pokémon League, disputando contra a Elite 4 rumo à Campeã.
Kalos League
A Liga Pokémon é sediada um palácio após a Victory Road. O local é um dos pontos mais antigos e resguardados da região, construído na época de ouro dos impérios do reino de Kalos, cuja estrutura foi mantida por gerações e continua sendo palco das batalhas mais decisivas. O palácio possui cinco grandes salões de batalha, guardados pela Elite 4. O último salão é dependência da Campeã, e só é acessível após vencer os quatro desafios da Elite. Só se pode ter ingresso na Kalos League após vencer a Kiloude Conference, mas há ambiguidades na Constituição de Kalos que determinem o prazo e a forma do desafio.
Duque Siebold
Siebold é o guardião do Flood Chamber. É geralmente o mais ativo dentro da Elite, uma vez que está fortemente envolvido com as questões burocráticas dentro da Liga. Foi um treinador de destaque de seu tempo, sendo sua família historicamente famosa dentro do ramo das batalhas. Possui domínio sobre o Water-type, uma vez que compôs sua equipe com algumas das melhores espécies dos mares e litorais de Kalos. No tempo livre, - algo raro ultimamente em sua vida - tem um grande prazer por cozinhar. É dono de uma franquia de restaurantes sediada em Lumiose, seus famosos pratos sendo alguns dos mais caros da cidade. Algumas das sedes só podem ser acessadas por treinadores com determinado grau de experiência.
Grande Duquesa Diantha
Diantha herdou o cargo de Campeã de sua família, que há décadas não é derrotada em batalha. Apesar disso, fazia poucos anos que ela assumira seu posto, tendo sido treinada para tal desde muito nova. A moça é a mais influente atriz e modelo de Kalos, representando apenas as mais altas franquias do continente, estampando revistas e outdoirs de Lumiose. Diantha não é muito satisfeita com seu posto de treinadora, mas sua família impõe que mantenha a tradição da família até que seja desafiada e derrotada ou, de preferência, que coloque um herdeiro em sua posição.
ALERTA DE SPOILERS! Antes de ler as notas, leia o capítulo correspondente primeiro!
"Às vezes apelamos para o convencional".
Acho que esse trecho define nosso capítulo de hoje. Confesso que em meio aos planejamentos da Saga Y, fiquei reflexivo em como superar a batalha contra a Korrina. Embora eu já tivesse um planejamento de como seria cada batalha de ginásio até o final da fic, essa ainda me chamava a atenção... Eu não era muito fã do Ramos, e também sabia que o contexto da cidade não me permitiria sair muito dos planos. Conferimos, hoje, uma batalha tradicional.
Sem grandes explosões, evoluções, batalhas por títulos. Hoje somos só treinadores em busca de uma insígnia. Por algum motivo achei que seria especial que esse episódio fosse assim. Acho que combina com a energia que os tipo grama me transmitem, combina com todo o amadurecimento que testemunhamos no Calem nesse meio tempo. E, de quebra, descobrimos afinal qual o Pokémon que ele recebe do Sycamore no capítulo 28!
Espero que o capítulo tenha trazido essa energia positiva para vocês e provocado uma tensão aqui e ali. Com isso nos despedimos do porto de Coumarine, e vamos rumo a... Eita, pera aí. A próxima cidade nos jogos não é Lumiose?
Após o tempo fechado nos dias
anteriores, as nuvens abriam espaço para um dia inspirador em Coumarine. O céu
azul encontrava o mar ao longe, com os vários barcos decorando o porto quase
como uma pintura. O trio caminhava rumo ao ginásio local, que ficava na parte
alta da cidade, em uma zona reservada. O trajeto não foi muito difícil, pois
diversas placas indicaram a direção correta. Caminhavam em silêncio – o mesmo o
qual os inundara a noite anterior, após os ocorridos na loja de incensos.
Quando viram uma placa típica dos
ginásios oficiais de Kalos, pararam. O ginásio de Coumarine havia sido
arquitetado décadas atrás, era uma construção marcante na cidade. Além de ponto
de batalhas, também marcava o jardim botânico de Coumarine, o mais belo de Kalos, que criava espécies locais famosas e protegia outros Pokémons de
grama em risco.
As grandes paredes repletas de
vidro permitiam a entrada de luz, possibilitando o crescimento das criaturas nos interiores.
Quando pisaram dentro, sentiram um ar abafado e úmido. Por onde quer que
olhassem havia das mais diversas espécies de vegetais – talvez não fossem
capazes de ver diferenças mas, pelas placas, eram dos mais diversos tipos.
— Com licença. — disse Calem na
recepção. — Eu agendei uma batalha para hoje.
O secretário verificou em um
computador os registros, correndo os olhos pelas linhas da tabela.
— William? — indagou ele.
Calem, após alguns segundos de
confusão mental, assentiu com a cabeça.
— Certo, está aqui. — concordou,
apontando. — O líder precisou sair, mas deve retornar em questão de poucos
minutos. Fiquem à vontade.
Os garotos se recostaram em um
banco de madeira não muito distante. Serena encarava admirada as árvores de
vários metros chegando quase ao teto de vidro da estufa. Charlie virou-se ao
amigo com uma expressão apreensiva. Esfregou as mãos uma na outra com
ansiedade.
— Sobre ontem…
— Charles. — Calem interrompeu,
fechando os olhos. — Vamos parar de forçar conversas que não precisamos.
O amigo parou por alguns segundos,
pronto para falar algo. Calem se levantou do banco, fitando as plantas ao redor
com um olhar perdido, a cara fechada em tensão.
— Hoje é o dia em que eu posso
simplesmente me preocupar em ganhar uma insígnia, igual a um garoto bobo de dez
anos que saiu para desbravar o mundo, sem um milionário louco procurando minha
cabeça. — murmurou, balançando a cabeça. — Por favor, não tire isso de mim.
As portas de vidro do ginásio se
abriram, e um pequeno senhor apareceu caminhando, limpando o suor da testa pela
caminhada naquele sol. Serena demorou alguns segundos para notar sua presença
mas, quando o fez, esboçou um sorriso, se aproximando.
— Senhor Ramos!
— Jovem Claire.— cumprimentou o senhor, com uma risada
amigável. — Não pensei que fosse contar com um desafio seu por aqui.
— Não sou eu, é meu primo. — disse
Serena apontando. — Acabei de ver na placa o nome do senhor, fiquei me
perguntando se era o líder!
— Este sou eu. — falou, animado. —
Há um bom tempo.
— Vocês se conhecem? — indagou
Calem.
— O senhor Ramos me ajudou na
biblioteca da cidade esses dias! — comentou a menina, empolgada.
— É um prazer conhecê-lo — disse
ele, estendendo a mão. — jovem…
— William. — cumprimentou Calem,
— Thomas. — continuou Charlie,
estendendo a mão.
O senhor os guiou por um caminho de
terra entre as várias espécies de plantas. Seu caminhar era devagar, tal como
sua forma de falar. Por respeito, os jovens o acompanharam sem qualquer pressa,
atentos ao que o líder tinha a comentar, com entusiasmo. Ele vez ou outra
parava para examinar alguma espécie, se havia algo errado. Os funcionários do
jardim pareciam extremamente preocupados com o líder, atentos a tudo que ele
apontava, mesmo que de longe. Ramos parou e resgatou seus óculos pendurados no
pescoço, encarando uma das plantas.
— Hm… — disse ele, puxando a enorme
tesoura de jardinagem que carregava e cortando um galho apodrecido da planta. —
Bem, assim está melhor.
Ele descartou com cuidado o ramo
desgastado, prosseguindo assim a caminhada.
— Uma parte apodrecida pode
atrapalhar o crescimento. — explicou o senhor a Serena, com uma risada. — É
difícil podar o que há de ruim, mas esquecemos que, sem isso, novos ramos
saudáveis não podem florescer.
A garota ficou quieta. As palavras
do líder soaram tão profundas e verdadeiras que ela não achava que falava de
plantas. Coincidência que aquilo cabia-lhe como uma luva. Se Ramos tentou
aconselhá-la ou estava apenas falando de vegetais, seu caminhar tranquilo não
revelava. Após alguns momentos o fitando, ela levantou os olhos. Era um espaço
de preencher a vista.
Sentia de longe um odor apodrecido,
e avistou Glooms e Vileplumes sendo criados em um espaço reservado, com suas
flores enormes emitindo alguns esporos cujos funcionários e cientistas
manipulavam com cuidado. Cherubis se penduravam em tamanhos enormes, tão
amadurecidos que pareciam Berries prontas
a serem colhidas pelas árvores. Um Carnivine se amarrava em árvores mais altas,
parado, sendo alimentado por algum dos funcionários para que não causasse
problemas. Na água, alguns Lotads e Lombres se refrescavam.
— O tipo grama é tão subestimado… —
balbuciou o senhor, balançando a cabeça. — O funcionamento das plantas é
fantástico, nós dependemos totalmente delas para viver… Mas elas com certeza
viveriam muito bem sem nós. — ele deu uma risada. — Muitas espécies de Pokémon
do tipo grama podem viver autossuficientes, por autotrofismo.
O grupo chegou, ao fundo, a uma
área fechada por outra porta que provavelmente era o campo de batalha. Apesar
das demarcações, era todo coberto de uma grama razoavelmente alta. O entorno
era marcado por arvores altas a arbustos rasos. Os troncos se entrosavam e
contorciam metros acima, com cipós pendurados e flores crescendo procurando
pelo sol. A iluminação do espaço era ainda maior, com uma entrada localizada de
luz solar pelo teto. Qualquer um que ali pisasse não duvidaria que era domínio
dos tipo Grass.
Ramos os levou até um canto onde
parecia sua área de repouso. Imensas estantes de mogno com livros de jardinagem
antigos, vários artigos espalhados e uma mesa onde o velho senhor esboçava
algumas anotações. Ele perguntou pela grafia do nome de Calem – ou William - e
começou a digitar em um computador antigo, semicerrando os olhos por trás dos
óculos.
— Não estou conseguindo encontrar
seu nome… Tem certeza que é um treinador cadastrado? — indagou ele.
Calem suou frio, uma vez que sabia
que sua identidade falsa não estava registrada na Liga.
— Sim, com certeza. — respondeu com
convicção. — Tanto que já tenho três insígnias.
Ele mostrou os emblemas e Ramos os
examinou por curtos segundos, soltando um murmúrio pensativo.
— Oras, esses computadores são
complicados demais. — reclamou ele. — Antigamente era tão mais fácil…
— Por que não fazemos como nas
antigas, então? — propôs o garoto, guardando seu estojo perfeitamente polido de
insígnias. — Cuidamos dos registros depois.
O velho deu uma risada rouca.
— É isso que gosto de ouvir.
Ramos caminhou com lentidão até
suas coisas e puxou algumas Pokébolas um tanto empoeiradas, sorrindo para elas. O
velho seguiu então seu caminho do lado oposto da arena, com um belo sorriso
estampado. Um dos assistentes indicou um banco para que Serena e Charlie
assistissem, oferecendo-lhes água. Calem foi para seu lado, respirando fundo e
procurando se concentrar.
O juiz colocou-se ao centro. Calem
sabia as regras – já havia se preparado – mas era praxe que o desafio fosse
introduzido.
— Esta será uma batalha de ginásio
oficial entre o líder de Coumarine,
marquês Ramos, e o desafiante, William Chambert! — anunciou o juiz.
Os dois assentiram. Ramos
continuava sorrindo.
— Cada um terá direito a usar três
Pokémon alternadamente. — prosseguiu. — Quando um dos lados não tiver mais
nenhum, a batalha será encerrada.
Tendo as instruções sido colocadas,
ele levantou as mãos.
— Comecem!!
— Jumpluff, meu querido, vamos
começar. — disse o senhor, jogando uma de suas Pokébolas para o alto.
Em uma rajada de raios prateados,
revelou-se uma criatura gorducha de pele azul, que logo começou a flutuar pelo
campo. De seu corpo partiam o que pareciam bolas de algodão, tão leves e macias
que permitiam que viajasse pelos ventos com graciosidade. O Pokémon era tão bem
cuidado que as mudas de algodão estavam grandes e saudáveis, brincando pelas
rajadas de vento que escapavam no ambiente entre os galhos retorcidos.
— Que Pokémon bonito!! — exclamou
Serena.
— Vamos, Skrelp!! — anunciou Calem.
De sua Pokébola revelou o
cavalo-marinho, que logo cravou os olhos avermelhados no seu adversário.
Estendeu o focinho para a frente como um dardo mirando no alvo, aguardando os
comandos do treinador.
— Um Pokémon aquático. — ponderou
Ramos, coçando a barba. — Não é sempre que os vejo serem escolhidos aqui em meu
ginásio.
Calem estendeu a mão.
— Comecemos com Poison Tail!
— Sunny Day! — revidou o líder.
Skrelp avançou rumo à outra
criatura com agilidade, mas uma rajada de vento soprou com mais força no
ginásio, facilitando que Jumpluff atingisse novas alturas, desviando. O Pokémon
virou-se em direção ao teto aberto da estufa, concentrando suas energias para
que os raios de sol brilhassem com intensidade. Mais que nunca, o vidro reluzia
os feixes luminosos, brilhando o campo em um espetáculo solar. As plantas do
ambiente pareciam se beneficiar do ataque, algumas até mesmo desabrochando.
— Use o Acid! — continuou o garoto.
— Leech Seed. — prosseguiu Ramos.
Skrelp disparou um jato de suas
substâncias venenosas, mas Jumpluff não teve tantas dificuldades em desviar do
ataque. A luz solar brilhando parecia ter um efeito sobre as partes vegetais,
aumentando o desempenho de seu corpo a um nível extremo. Algumas gotas
respingaram em uma de suas mudas de algodão, dissolvendo parte da flor. A
criatura contra-atacou com uma sequência de sementes que logo se agarraram ao
corpo de Skrelp.
— Utilize o Camouflage! — comandou Calem.
O Pokémon aquático misturou-se em
questão de segundos ao ambiente, transformando as cores de suas escamas. À altura
em que Jumpluff planava, tornava-se difícil distinguir sua localização exata.
Ainda assim, Skrelp sentia as raízes das sementes drenando suas forças
levemente, ainda que com pouca intensidade.
— Jumpluff, Stun Spore!
Das pequenas partículas de algodão,
vários esporos foram lançados em direção ao campo, aproveitando-se dos poderes
voadores de Jumpluff, que dançava pelos ares. Skrelp remexia-se com o pó
venenoso que dificultava sua movimentação ainda mais pelo terreno gramado.
Calem sentia-se apreensivo. Até
então os danos que Jumpluff causara em Skrelp eram quase nulos. Contudo, Ramos
cercava todas as estratégias do garoto, fortalecendo seu Pokémon de uma maneira
em que ele não conseguia ver uma saída. Não era como se pudesse ser derrotado
em questão de instantes, mas não fosse capaz de visualizar uma vitória -
obrigando-se a se arrastar até sua ruína.
— Use o Acid de novo! — exclamou o menino, tentando manter a calma.
Desta vez o disparo foi certeiro em
Jumpluff, afetando seu voo. Skrelp fora tão rápida que a criatura voadora mal
teve oportunidade de tentar evitar o golpe. Sendo parte vegetal, o ataque teve
grande efetividade. Skrelp aos poucos teve suas escamas retornando à coloração
original, ficando à mostra no cenário verde.
— Jumpluff, avance com o Acrobatics!
— Poison Tail!
O algodão planou próximo ao chão
com considerável agilidade, realizando movimentos no ar com tanta graciosidade
que parecia uma dança, disparando uma saraivada de golpes na criatura aquática.
Skrelp aproveitou-se da aproximação para desferir um certeiro ataque venenoso,
deixando o rosto do adversário marcado pelo impacto.
— Poison Tail de novo! — repetiu o garoto.
Ainda atordoado pelo ataque,
Jumpluff não teve oportunidade de desviar da segunda investida, caindo
derrotado no campo. O juiz observou por alguns instantes o Pokémon nocauteado e
anunciou sua indisponibilidade de prosseguir. Ramos foi lentamente até o campo
e acariciou o Pokémon, voltando a despertar. Sorriu e dirigiu-lhe palavras de
incentivo, agradecendo por sua coragem na batalha.
— Nada mal, jovem William. —
ponderou o senhor, pegando uma nova Pokébola.
Ele a atirou para o alto, com leve
empolgação.
— Victreebel, sua vez.
O campo foi tomado por uma criatura
maior que os dois treinadores. Tinha o corpo dilatado como um sino, em um tom
de amarelo suculento que parecia uma berry.
Balançava uma vinha que surgia de suas folhagens, como se tentasse atrair
atenção. Calem sentiu um cheiro doce e convidativo, mas sabia que não deveria
se enganar – a espécie utilizava esse aroma para atrair presas, escondendo
entre seu corpo um grupo de folhagens que se assemelhavam a dentes. Com suas
habilidades venenosas, os Victreebel paralisavam seus inimigos e injetava
substâncias digestivas que corroíam até mesmo materiais resistentes.
— Apesar do tipo Grass ter uma clássica fraqueza aos
venenos, várias espécies possuem suas próprias substâncias tóxicas. — comentou
o senhor.
Calem não disse nada, repensando
seu ataque.
— Use o Acid, Skrelp!
— Razor Leaf, Victreebel!
Apesar de não ser uma espécie
demasiadamente rápida, Victreebel ainda se beneficiava, por meio de sua
habilidade, da luz solar brilhando no campo, conseguindo resistir e desviar do
ataque venenoso, por mais que não fosse lhe causar grandes danos. Balançou suas
folhagens grossas, disparando contra Skrelp folhas menores tão cortantes como
navalhas. O cavalo marinho se retraiu, sentindo as sementes presas em seu corpo
se retorcerem, drenando suas últimas forças.
O juiz anunciou a queda de Skrelp.
Calem suspirou, retornando o Pokémon à sua respectiva esfera. Em seguida,
resgatou uma próxima de seus bolsos, jogando para a frente e revelando Tyrunt.
O dinossauro rugiu, mostrando seus grandiosos dentes, opondo-se às folhas
modificadas de Victreebel, que também lembravam uma mandíbula.
— Um guerreiro de pedra. — ponderou
Ramos. — Suas estratégias são diferentes, broto William.
— O fato de Tyrunt ser parte dragão
nos dá uma resistência. — respondeu o garoto. — Comecemos com o Bite!
Ramos não mexeu nenhum músculo de
imediato, retorquindo com tranquilidade:
— Grass Knot.
Tyrunt começou a correr, avançando
contra Victreebel. A criatura abriu sua enorme mandíbula, pronto para o ataque,
mas a planta sequer se moveu. Concentrou seus poderes Grass-type, de maneira que parte da grama do campo se amarrasse aos
pés do tiranossauro. O Pokémon de pedra tombou ao chão sem prever o movimento,
confuso.
— Poison Powder, meu querido. — prosseguiu o líder.
Victreebel abriu suas folhagens,
revelando a entrada de seu corpo enorme, com espécies de presas vegetais tão
vorazes que até mesmo fizeram Calem arrepiar. De dentro emitiu uma nuvem
púrpura repleta de esporos, de toxicidade tão forte que, por segurança, os
treinadores protegeram a boca e o nariz. Tyrunt, ainda no chão, sentiu o veneno
atingir-lhe, apesar de seu tipo Rock
ter certa resistência a toxinas.
Mais uma vez, Ramos poderia não
estar atacando com agressividade, mas seus comandos pressionavam as opções do
garoto. Os tipo Grass não eram
conhecidos por seus ataques tão ferozes ou defesas estrondosas, mas dominavam
forças naturais como ninguém, se beneficiando do ambiente e emitindo esporos
venenosos ou paralisadores.
— Vamos revidar com o Tackle! — disse o garoto.
— Grass Knot.
Desta vez, Tyrunt conseguiu evitar
o ataque, avançando com voracidade ao inimigo, em um golpe com o corpo de rocha
o atirando para mais longe, no campo. Victreebel se colocou novamente em
posição, com o corpo vegetal meio bambo.
— Razor Leaf! — exclamou Ramos.
— Use o Bite! — rebateu Calem.
A planta carnívora disparou
folhagens em Tyrunt que, ainda que danificado, prosseguiu com sua mordida,
cravando a mandíbula no corpo vegetal de Victreebel. O Pokémon usou sua vinha
para afastá-lo, jogando-o para o lado.
— Mais uma vez! — repetiu Calem.
Antes que desviasse, Tyrunt
desferiu mais uma mordida em Victreebel, desta vez jogando a planta alguns
metros à distância, derrotada. Ainda assim, o dinossauro fraquejou levemente,
sentindo o veneno ainda presente em seu corpo.
— Vejo que tem experiência, jovem
William. — comentou Ramos, consolando seu Pokémon. — Já enfrentou o poder de
transformação dos insetos, a dureza dos tipos rocha, e a disciplina e
determinação dos lutadores.
Calem abriu um pequeno sorriso.
— O que os tipo Grass terão a me ensinar?
Ramos soltou uma risada simpática.
— Por que não me conta após a
batalha?
O senhor puxou uma Pokébola já meio
desgastada pelo tempo, admirando-a com ternura. O último Pokémon de um líder
era sempre uma revelação interessante, pois geralmente sintetizava aquilo que o
ginásio representava. O velho senhor estendeu-a.
— Resta-me um último Pokémon, broto
William. — falou, rouco. — Mas este será ainda mais difícil de derrubar.
Ele revelou sua última criatura, um
Pokémon quadrúpede que se colocou em uma respeitável posição logo que assumiu o
campo. Era familiar, os garotos já haviam visto daquela espécie transitando
pelas cidades, especialmente em Lumiose. Além disso, alguns poucos destes
habitavam o Baa Mer Ranch. Era um
Gogoat, uma espécie muito frequente em Kalos devido ao seu contato com os
humanos desde os tempos ancestrais.
Ainda assim, aquele em especial
parecia já um ancião, com os pelos mais envelhecidos e longos chifres curvados
demarcando sua idade. Sua parte vegetal grossa caía como uma barba não feita há
anos, mas a pelugem era grossa o suficiente para atravessar o frio das
montanhas mais gélida de Kalos. Seus sérios olhos vermelhos encararam o
adversário não com intimidação ou perversão, mas um ar de respeito.
— Tyrunt, use o Tackle! — exclamou Calem.
— Grass Knot, meu parceiro!
Por mais que Tyrunt tivesse
conseguido desviar outrora, desta vez o nó de grama agarrou suas patas
traseiras, levando-o ao chão. Calem fechou a expressão. Aquele era o
golpe-marca do ginásio, afinal. Sabia que o veneno de Victreebel ainda
persistia no corpo de pedra de Tyrunt.
— Bulldoze! — seguiu o líder.
Gogoat saltou, golpeando com força
o solo próximo de onde o dinossauro havia caído. Suas habilidades típicas das
áreas montanhosas fez com que o chão tremesse com intensidade, derrotando
Tyrunt sem se desgastar muito. O treinador coçou a cabeça, mantendo a calma.
— Paciência é o segredo de tudo,
broto William. — aconselhou Ramos. — Uma planta precisa de luz, sol, água e uma
boa dose de paciência para que floresça. Se lhe dá muito de um deles, com
ansiedade, ela não cresce.
Calem não esboçou grandes reações.
— Esta então é a lição que o
Ginásio de Coumarine tem a me ensinar. — refletiu.
Ramos deu uma risadinha.
— Eu apenas ensino jardinagem, meu
jovem. — falou, balançando a mão.— A
lição quem aplica são vocês ao cultivar seu próprio caminho.
Calem puxou uma terceira Pokébola,
pronto para fazer sua última tentativa. O Gogoat de Ramos, por mais que tivesse
uma aparência levemente envelhecida, parecia imponente e vigoroso, ainda cheio
de energias para batalhar. O garoto arremessou a esfera, logo revelando seu
último guerreiro.
A Pokébola abriu-se e trouxe ao
campo uma criatura bem menor que o Gogoat inimigo. Era um pequeno feneco, de corpo
amarelo e grandes orelhas repletas de uma pelugem alaranjada. Movia-se com
agilidade pelo campo, não parecendo intimidado pela responsabilidade. Era uma
criatura conhecida nas terras de Kalos, um Fennekin, inicial do tipo fogo e um
dos favoritos dos treinadores iniciantes.
— Será a primeira batalha de
ginásio da Fennekin! — exclamou Serena.
Ramos coçou a barba.
— Esta escolha não me surpreendeu
tanto quanto as outras, broto William. — comentou o velho. — Não são poucos os
Fennekin que passam por meu ginásio.
— Às vezes apelamos para o
convencional. — respondeu o garoto. — Fennekin, comece com o Ember.
— Bulldoze, Gogoat.
A criatura de fogo disparou brasas
contra o bode, sabendo que teria eficiência contra o tipo grama. Contudo, o
Pokémon não se afetou muito gravemente, atacando o solo em um terremoto que
desestabilizou até mesmo os treinadores em suas posições. Fennekin caiu confusa
no solo.
— Take Down. — prosseguiu Ramos.
Gogoat bufou e avançou ferozmente
em direção à criatura de fogo, ganhando velocidade. Abaixou a cabeça, apontando
seus majestosos chifres. O Pokémon congelou com a cena intimidadora, percebendo
seu treinador também sendo tomado pela intensidade do combate.
— Fennekin, saia daí!! — bradou.
O Pokémon levou curtos instantes
para retomar sua consciência. O grito do treinador a trouxe de volta para o
combate, de maneira que com sua agilidade conseguisse despistar por muito pouco
a investida do bode. A força de Gogoat com certeza seria suficiente para
jogá-la longe, causando grandes danos.
— Flame Charge, agora!!
Tomada por uma aura flamejante,
Fennekin quem investiu naquele momento, golpeando Gogoat corajosamente. Apesar
do tamanho reduzido, as chamas causaram forte influência no corpo vegetal do
outro.
Gogoat levantou seus chifres para o
alto, permitindo que suas folhagens se beneficiassem da forte luz solar que
entrava pelo campo. Os ramos antes queimados pareciam se restabelecer com a
fotossíntese facilitada pelo ataque, brilhando em um tom de verde vivo,
aumentando seus ramos. Calem arrepiou-se.
— Uma velha árvore é difícil de se
derrubar, jovem. — ele riu. — Já estão acabando suas estratégias?
Calem permaneceu neutro.
— Já está na hora de arrancar isso
pela raiz. — murmurou. — Fennekin, Flame
Charge!
— Grass Knot!
Antes que Fennekin ganhasse
proximidade, um nó de grama a derrubou no campo, prendendo suas patas. O
golpe-marca do ginásio não causaria grandes danos na pequena criatura, mas era
sempre uma estratégia complicada de ignorar uma vez que se estava em campo. O
bode esfregou as patas no solo, preparando-se para um novo golpe.
— Agora, Take Down! — anunciou Ramos.
Mais uma vez apontou seu grande par
de chifres à Fennekin, iniciando uma corrida feroz, pronto para vencê-la com
seu tamanho. O Pokémon de fogo relutou, mas viu suas patas ainda um tanto
presas entre as plantas rasteiras. Calem suou frio, disparando, o mais ágil que
pôde:
— Psybeam!!
Fennekin brilhou seus olhos,
disparando uma onda de energia em direção a Gogoat. O ataque era do tipo
psíquico, o qual seu Pokémon ainda não dominava tanto, tinha muito a ser
aprimorado, mas funcionou atordoar momentaneamente o bode, deixando que
escapasse de sua trajetória de ataque. Atingido por uma forte dor de cabeça,
Gogoat desviou, permitindo que Fennekin respirasse aliviada por curtos
momentos.
— Agora, Flame Charge de novo!
— Grass Knot, Gogoat!
O bode mais uma vez tentou prender
o Pokémon de fogo, mas as chamas do corpo de Fennekin foram suficientes para
incinerar qualquer planta que tentasse agarrá-la. Atingiu a criatura em sua
lateral, cobrindo com uma forte aura de fogo que provocou consideráveis danos.
— Synthesis, de novo!
— Flame Charge, não desista!
Gogoat mal teve tempo de se
recuperar o suficiente que mais uma vez foi tomado pelas chamas da criatura de
fogo. Ramos não esboçou qualquer reação adversa, mantendo a serenidade em sua
expressão. O bode bufou, mas ainda se colocou em posição de batalha. Suas
folhagens, contudo, demonstravam o cansaço em seu corpo, já atingido pelos poderes
de fogo que eram potencializados com o forte sol em campo.
— Bulldoze, meu guerreiro! — bradou Ramos.
Fennekin saltou, prendendo-se em uma vinha que caía por entre os galhos das árvores. Desta vez o golpe fora
mais intenso que nas outras vezes. Algumas folhas e flores caíram dos galhos
mais altos do campo, se depreendendo, de maneira que o Pokémon quase tombasse ao chão. O som do farfalhar entre os galhos tornou-se
audível, quase como uma música. Calem limpou o suor que se acumulava na testa
com a manga da camiseta.
Gogoat soltou um balido e avançou,
já um tanto decadente, usando de suas últimas forças para golpear a adversária
derradeiramente. Fennekin foi na mesma direção, com as chamas potencializadas
ao máximo que foi capaz. Calem sabia que era difícil exigir da criatura tanto
em sua primeira batalha oficial, mas ela se colocava disposta a honrar a
confiança que seu treinador lhe proporcionou.
Ambos correram. Serena quase cobriu
os olhos, não querendo ver aquele encontro. Fennekin saltou, tentando atingir
Gogoat em um lugar estratégico. A criatura levantou-a, jogando-a para cima.
Fennekin girou no ar por alguns segundos, desaparecendo entre os galhos
retorcidos de cima. Calem abriu a boca, sentindo seu coração bater mais forte
com a tensão.
Logo, o Pokémon caiu ao chão. Não
desabando, mas mantendo-se firme em suas quatro patas, ainda que atordoada pelo
golpe. Gogoat, por outro lado, sentia as chamas o consumindo, caindo derrotado
no gramado, sem forças para se estender. Ramos abriu um pequeno sorriso,
parecendo conformado com o resultado. O juiz levantou as mãos, anunciando a
vitória do desafiante.
— Ora, ora… — balbuciou Ramos.
O líder foi até seu Pokémon,
segurando sua cabeça com as mãos. Gogoat despertou, os olhos ainda caídos e
fundos. O velho abriu um sorriso, acariciando-o.
— Você fez o seu melhor, velho
amigo. — falou em um tom reconfortante. — Merece um bom descanso.
E retornou o Pokémon à sua
Pokébola. Calem não escondeu um sorriso, congratulando Fennekin que, apesar de
cansada, ainda usava suas últimas energias para comemorar a vitória, como se
nada tivesse acontecido. O inicial logo tropeçou, exausto, e foi retornado
também à sua esfera pelo treinador. Ramos cochichou algo com o juiz, que se
retirou.
— Vejo que fui vencido. — riu o
líder.
— Foi uma boa batalha, senhor Ramos.
— sorriu Calem.
O velho colocou-lhe uma mão no
ombro, precisando se estender um pouco.
— Acha que descobriu o que
prezamos, neste ginásio? — inquiriu.
Calem assentiu com a cabeça.
— A ternura e serenidade com que
cria suas plantas. — disse ele. — É essa a mesma energia que traz às batalhas.
Sem perder a calma, sempre prezando pelas estratégias, por mais tempo que elas
exijam.
O velho concordou.
— Às vezes preciso dar uma lição
nas crianças que chegam com sede de batalhas e querem destruir tudo. — ele riu.
— Vejo que está amadurecendo, broto William. Como um fruto.
O juiz retornou, com uma caixinha.
Dentro dela, o símbolo da vitória dentro do ginásio de Coumarine. Era como uma
folha, cujas nervuras transformavam-se nos galhos retorcidos de uma nova árvore,
brilhado em um tom de verde vivo como a natureza.
— Esta é a Plant Badge. — disse o líder. — E ela é sua.