Archive for October 2015

Kalos: The Other Side



Do You Really Know Kalos?


Você entra em um pequeno estabelecimento. Por algum motivo, você não se lembra do porquê de está lá, nem como chegou. Suas roupas estão gastas, e sua cabeça dói. O ranger da porta amplifica a dor de cabeça. Ao abrir, se depara com um bar velho e acabado. O chão de madeira faz sons quando pisa. Uma música de provavelmente seis décadas atrás toca por uma vitrola, que faz alguns rangidos enquanto tenta executar a música. Mas o mais notável é o cheiro de mofo e álcool que alcança suas narinas e deixa um pouco de tontura.

A melhor alternativa é dar meia volta ir embora, mas você escuta uma voz que mostra que não está sozinho:

— É perigoso alguém jovem como você andar por aí nesse horário. — diz um senhor limpando o balcão. — Entre, ofereço algo por conta da casa.

Sem muito o que fazer, você escolhe entrar. Está frio lá fora, além de tudo. Fecha a porta e escuta o ranger chato uma última vez. Em seguida, o som dos próprios passos, até cessar quando você se senta em uma cadeira próxima ao balcão. Não há ninguém além de vocês dois.

O velho senhor começa a limpar um dos copos enquanto procura algo para servir a você. Tal como seu bar, ele tem uma aparência suja. Os poucos fios brancos que lhe restam estão emaranhados como sua barba, e as vestes são quase trapos. Quando ele encara, você percebe que um de seus olhos deve ser de vidro. Ele dá um sorriso, com alguns espaços onde deveriam estar dentes.

— Você deve ser novo(a) por aqui... Kalos é cheio de turistas. — comenta ele, organizando os copos. — Afinal, o sonho de muita gente é vir para cá. Cidades românticas como Lumiose, bonitas como Laverre, históricas como Camphrier...

Em seguida, ele para com a atividade e se apoia no balcão, se aproximando de seu rosto. Em um impulso você se afasta, mas ainda estão próximos o suficiente para que você consiga sentir seu hálito apodrecido quando ele abre a boca em um sorriso. Em seguida, com uma voz sussurrada macabra com um toque de deboche ele diz:

— E se eu te dissesse que nem tudo é tão lindo assim? — ele faz uma curta pausa. — Sabe como é, aqui é cheio de histórias, daquelas que permanecem vivas quando são compartilhadas, mesmo que não devessem... Que passam de boca em boca, sem que ninguém tenha conseguido comprovar a veracidade. Ou que tenha sobrevivido para contar. Histórias que eu não deveria contar, na verdade... Mas acho que você tem um pouco de tempo para matar, não é? 

O que acha de conhecer o outro lado de Kalos?


Dados Técnicos

Publicação: Aleatória;
Gêneros: Terror, suspense, mistério, darkfic;
Classificação indicativa: +16
Avisos: Insinuações, uso de drogas ilícitas, 


Contos

CONTO 1: QUER BRINCAR COMIGO?

Em uma mansão de Vaniville Town, alguns séculos atrás, uma família encontra problemas clássicos: Um pai ausente, uma garota solitária e uma madrasta má. Em meio aos mal tratos da madrasta, Sarina encontra como refúgio sua pequena boneca para brincar. Entretanto, talvez elas tenham um conceito diferente para "brincadeiras". 

Parte 1
Parte 2 [Em breve]

Notas do Autor - Capítulo 13

Estas notas contém spoilers, então é recomendado ler o capítulo correspondente primeiro!
E depois de mais de um ano, finalmente a história central volta a caminhar! Admito que fiquei muito, muito atrapalhado mesmo com esse capítulo. Havia uma versão original dele que não estava fluindo e eu não estava gostando do rumo que tomava. No final das contas, eu ficava emperrado para continuar, e depois fiquei sem tempo. O resultado disso vocês já sabem. Contudo, em alguns momentos de inspiração consegui criar uma segunda versão, que é a que vocês conferiram hoje. 

É possível notar que o enredo do capítulo dá um giro de 180º. Isso porque, como eu já devo ter comentado, não vou ficar arrastando a história para um drama completo logo no início. As coisas em Lumiose não foram muito bem, Serena ficou traumatizada, sim, mas como visto no capítulo 12.5, ela vai tentar dar a volta por cima. Dessa vez estamos recuperados e a jornada volta aos eixos. Dessa vez. Portanto, aproveitemos os momentos de inocência que, apesar de não voltarem mais como eram antes, ainda não sumiram.

Estamos entrando em Camphrier, uma cidade que eu particularmente gostei muito quando joguei. A cidade parece ter um ar muito histórico, como se tivesse sobrevivido no tempo. Isso é legal em Kalos: você sai de uma das maiores metrópoles do mundo Pokémon e vai para uma cidade de alguns milhares de anos ~rsrsrs Se me permitem jogar um spoiler, no pouco tempo que ficaremos em Camphrier, teremos um clima um pouco tranquilo, mas uma aparição importante de um personagem novo. Palpites? 

Peço desculpas pela imensa demora novamente, mas se serve de consolo, esse era o capítulo que me atrasava. Já tenho esboços dos próximos dois, então creio que não teremos que esperar mais um ano para continuar a trama ~rsrs

Aproveito para desejar parabéns para Clara-chan, que faz aniversário hoje, a Clarinha, uma leitora que já conheço de antes de Kalos, da época de Ethron, e que considero uma irmãzinha. Para quem não sabe, ela quem fez a dublagem da Mary (Dá uma olhada na página de novo)! Feliz aniversário, Clarinha! :3


Out of the Woods (Edit)

Eu já havia comentado que não ia, necessariamente, colocar mais nomes de músicas nos capítulos. (Ou não comentei? Já esqueci D:) Só que quando estava refletindo sobre um possível nome para esse (sou o único que tem problema com títulos?) só consegui pensar nessa música. Análises passadas já mostraram que eu curto muito o 1989, e essa foi uma música se encaixou muito bem. especialmente por causa da atmosfera pesada que ela tem, uma batida um tanto profunda. Alguns consideram a repetição do refrão chata, mas na minha opinião ela complementa perfeitamente o sentido da canção, aquela ansiedade e incerteza de perguntar várias vezes "Já estamos fora do perigo?". O clipe, por sinal, é maravilhoso e cheio de metáforas, recomendo muito que assistam. É uma música muito especial, que reflete muito bem essa transição do final do capítulo 12 até começarmos o capítulo 13.

Já estamos fora do perigo?
Já estamos no claro? Ainda bem.
[...]
Quando você começou a chorar
Baby, eu também comecei
Mas quando o sol apareceu
Eu estava olhando para você
Lembra-se de quando não conseguimos aguentar o calor?
Eu saí e disse "estou te libertando"
Os monstros voltaram a ser apenas árvores
Quando o sol apareceu 
Você estava olhando para mim


Capítulo 13



Capítulo 13
Fora do Perigo

Serena acordou naquele maldito tempo nublado. Um céu triste e fúnebre, que parecia se segurar para derramar as lágrimas que trariam uma tempestade. Por que o tempo estava nublado? Por que estava tudo triste? Ou será que ela apenas enxergava as coisas tristes porque era assim que se sentia? Só ouvia o som abafado das pessoas na rua, Lumiose afora. Ela coçou a cabeça e ficou olhando para o teto até ter coragem de abrir completamente seus olhos. E se Marc a estivesse observando?
Ela levou um susto quando, de fato, alguém a observava. Charlie sentava-se em uma cadeira aos pés da cama, e a fitava. Ele estava com uma aparência cansada, olheiras intensas abaixo de seus frios olhos verdes. Porém, conseguiu sorrir com suavidade ao ver a garota acordada. Agora ouvia também o som do chuveiro, indicando que Calem estava tomando banho.
A menina se levantou e sentou-se ao pé da cama, próxima de Charlie. Ela afundou a cabeça nas mãos e ficou alguns momentos na quietude total. Ele moveu o braço lentamente para se aproximar dela, que afastou o braço dele com um tapa, por impulso. Ambos ficaram se olhando, meio constrangidos. Droga, Serena, ele não queria te machucar.
— Eu disse que ficaria de guarda para que você dormisse. — disse-lhe o rapaz, então.
Serena balançou a cabeça concordando, mas não disse nada novamente. Tantas palavras rondavam sua mente de forma tempestuosa, mas nenhum trovão lhe escapou pelos lábios. A menina se levantou, de forma lenta e gradual. Caminhou até a janela e ficou lá, apenas encarando aquela cidade. Aquelas malditas pessoas. Marc estava lá, em algum lugar.
Charlie surpreendeu-se ao ouvir a voz da menina, pela primeira vez desde o dia anterior. Tão fraca, tão trêmula, que não era Serena.
— Não é seguro ficarmos aqui, Charlie. Não era seguro dormirmos aqui.
Ele aguardou alguns momentos e pensou em dirigir-lhe uma mão no ombro, porém escolheu manter-se à distância.
— O Marc não iria atrás de nós no mesmo dia, princesa. — respondeu Charlie, alongando as costas, que estralaram alto. — Não seria tolo. Ele só irá atrás de nós se retornarmos para cá. — disse, tomando o cuidado para não trocar o “se” por “quando”. — Porém, por via das dúvidas, é melhor sairmos dessa cidade o quanto antes. Vá se trocar para que possamos ir para um lugar novo, sim?
A garota concordou com a cabeça vagarosamente e parou de olhar pela janela. Pegou seus pertences e bateu na porta do banheiro, avisando Calem que queria tomar banho também. Após refletir, Charlie segurou seu pulso. Ela lhe dirigiu um olhar imediatamente. Ele não sabia o que fazer com isso. Não sabia como olhá-la nos olhos.
— Eu disse que Lumiose não era grande coisa, princesa. — ele queria ter um tom de razão, mas sentiu vontade de nunca ter dito aquelas palavras. Serena apenas o encarou por alguns instantes, até baixar o olhar até seu pulso segurado. Charlie instantaneamente a soltou, e a deixou.
 Calem saiu de lá vestido, penteando os cabelos. Procurou um espelho e deslizou o pente pelos fios castanhos úmidos em um movimento concentrado e relaxado. Charlie observou o movimento na janela em silêncio, as pessoas caminhando. Aqueles meros figurantes, que conseguiam andar pelas cidades e seguirem sua vida, como se nada tivesse acontecido. E, de fato, nada acontecera para elas.
Ouviu uma voz quebrando o mórbido silêncio:
— Você errou em nos seguir, Charles. — disse Calem, sem desviar os olhos do próprio reflexo. Quando Charlie tinha se virado, Calem continuava sua tarefa, e parecia como se ele sequer tivesse dito algo.
— O que você…
— Eu sempre soube que era um erro permitir que você viesse conosco. E você quase me fez mudar de ideia, Charles. Quase. — falou Calem, abaixando o espelho e se virando. Por apenas um instante Calem o olhou. Seus olhos acastanhados estavam firmes.
— Por decência eu não o mando embora. — falou, se aproximando. — Mesmo que essa seja minha vontade.
...

O trio olhou para os lados várias vezes, para se certificarem de que ninguém os aguardava. Nenhuma surpresa desagradável. Em seguida, correram pelas ruas movimentadas até encontrarem um arco grande com uma espécie de túnel. Suspiraram aliviados ao chegarem lá. Sequer viraram de costas para ver Lumiose uma última vez. Não tinham essa vontade.
Após cruzarem a entrada/saída, chegaram à Rota 5. Foi como se sentissem um alívio. Não havia barulho de gente andando ou carros buzinando. Ou melhor, o som estava mais reduzido, já que a cidade estava bem próxima. Mas era mais evidente o som dos Pokémons cruzando a grama, e um curioso som de rodas girando.
Desta vez não havia asfalto, os passos tocavam a terra diretamente. A grama fazia barulho ao ser remexida. Aos poucos as energias de Serena retornavam ao estar em contato com a natureza, diferente do estresse das cidades. Estava um silêncio perturbador no trio. Até que Charlie decidira quebrar o silêncio:
— Vocês repararam que o Aldrick e a Katheryn sumiram? Não vejo eles desde uns dois dias atrás.
Alguns passos antecederam a resposta.
— Eles decidiram seguir outro caminho a partir de Lumiose. — respondeu Calem brevemente. — Avisaram anteontem.
 Silêncio.
— Podemos parar um pouco? Eu estou muito cansado. — pediu Charlie.
Serena se virou.
— Acabamos de começar a andar…
Charlie se sentou na grama, esgotado. Do costumeiro saco que carregava nas costas, saiu Pancham, como de praxe, mas desta vez acompanhado de outras duas criaturas. Era o mesmo Skiddo e a mesma Litleo que Serena havia visto no dia anterior.
— Como você fez esses três caberem em sua mochila? — indagou Calem, perplexo.
— Você carrega um kit de sobrevivência na sua. — argumentou Charlie.
Em cheio.
Serena não se sentou, ficou correndo os olhos pela rota, sem dizer nada. Ela ouvia um som que a intrigava: o barulho de rodas girando ainda a intrigava. Seguiu seus ouvidos, que a guiaram até uma depressão da rota, onde claramente não podiam avistar de onde estavam anteriormente. Porém, de cima, Serena viu, na descida da rampa, algo surpreendente.
O chão era coberto de concreto, formando um enorme retângulo colorido. Algumas partes deste variavam o tom e a profundidade, como um espaço para uma piscina, só que sem água. Mais longe, objetos como cones dispostos em série. Guias, que mais pareciam corrimões, faziam Serena acreditar que eram para se apoiar, porém, se surpreendeu ao ver alguém andando encima delas.
Andando não. Os pés não se moviam de um jeito comum. No lugar dos calçados de todas as pessoas lá, estavam sapatos curiosos, com rodinhas na sola. Eles as usavam para deslizar pela pista, onde exploravam os obstáculos distribuídos. Pela primeira vez nos últimos dias, Serena voltou a dar seu sorriso de empolgação.
— Charlie, Calem, venham ver isso! Vocês tem que ver isso! — ela gritava, subindo o morrinho até chegar aos dois, que estavam sentados em silêncio. Assustaram-se ao ouvir o chamado, porém, suspiraram mais que aliviados ao ver a menina saltitando de alegria — Olhem, olhem!
Os três desceram e ficaram observando as pessoas praticarem aquela curiosa atividade — a qual descobririam alguns momentos depois que se chamava “patinar”. — de forma animada. Havia crianças tentando andar em linha reta tanto quanto adultos que faziam acrobacias complexas com os patins.
Serena, obviamente, permitiu que seus olhos recuperassem o brilho ao se deparar com aquele exercício tão diferente do que estava acostumada. Ao verem que a garota estava animada, claramente ambos os rapazes quiseram estimulá-la a se divertir novamente, logo agora que encontraram uma forma.
— Princesa, o que acha de tentar? — sugeriu Charlie.
Serena estava prestes a concordar com um sorriso, quando percebeu algo importante e decepcionante. Não tinham patins, logo, era praticamente impossível que o fizessem. Antes que ela deixasse sua cabeça baixar, Calem tocou-lhe no ombro.
— Eu dou um jeito nisso.
O rapaz puxou sua mochila e foi de encontro a uma turma de garotos fazendo uma rodinha de patinação. Parou na frente deles — quase foi atropelado, é claro, o que fê-lo ter um semi-ataque cardíaco. — e perguntou se podia ter aqueles sapatos esquisitos. Recebendo uma resposta negativa, não hesitou em tirar um bolo de notas de dinheiro e jogar no meio da rodinha. Os jovens se amontoaram e encararam a absurda quantia e começaram a gritar, eufóricos, tirando os patins sem qualquer resistência.
Calem pegou os patins — após vestir suas luvas, é claro, porque nunca se sabe onde passaram os pés de alguém—, e levou até Serena e Charlie, vendo a prima saltar no mesmo lugar com empolgação. Charlie, por outro lado, o encarava com total surpresa e reprovação.
— Você deu tudo aquilo de dinheiro por três pares de patins?! ELES DISTRIBUEM DE GRAÇA EM LUMIOSE!
Calem parou um pouco para refletir.
— Não culpe meus meios, Charles.
A menina, enquanto isso, já vestira os sapatos com rodinhas. Quando tentou levantar, entretanto, deslizou o suficiente para voltar ao chão com uma queda. O processo se repetiu algumas vezes, até que Charlie decidisse ajudá-la a se levantar. Não ficando atrás, também vestiu seu par de patins, e ambos tentaram se equilibrar juntos, à medida que Calem limpava os seus antes de calçá-los.
Depois de algumas quedas, Charlie conseguiu levantar-se, mesmo que precisasse se apoiar em uma barra de metal ao lado. A loira aproveitou para permitir que ele a ajudasse, e ambos ficaram de pé, segurando na barra.
— O que faremos agora? — perguntou Charlie.
— Vamos pra frente! — respondeu Serena, decidida.
O menino lhe diria que era uma ideia com destino fixo a mais uma queda, porém, não estragaria aquele momento de euforia de Serena, depois de imaginar que nunca mais a veria tendo mais um. Concordou com a cabeça e ambos fizeram uma contagem regressiva. “3...2...1...”. Os dois se impulsionaram, empurrando a barra, e foram na mesma direção. Em um dos curtos instantes que conseguiram não cair, Serena chegou a pegar na mão de Charlie, o que provavelmente foi o motivo pelo qual ambos tropeçaram juntos em seguida.
Charlie foi ao chão primeiro, enquanto a garota caiu sobre ele. Ele a segurou, e a ouviu dar risada. Que risada gostosa. Àquela curta distância, conseguia sentir o cheiro dos cabelos louros dela. Um cheiro doce e aconchegante. Suas mãos lisas tocavam-lhe os braços de maneira singela e inocente. Ela levantou a cabeça, deixando-os a curtos centímetros de distância, para que ele pudesse ver aquelas lindas safiras em seu rosto. Os lábios não estavam tão longe. Será que conseguiria alcançá-los, de lá?
Eles permaneceram ali. Serena não sabia o que deveria fazer — e nem como fazer. —, mas algo dentro dela dizia-lhe que alguma coisa precisava acontecer. Seriam as batidas fortes de seu coração sincronizadas com o de Charlie? Ou então o arrepio que sentia enquanto ele a segurava pelos braços com firmeza? Ou o olhar esverdeado do rapaz, que a fitavam bem no fundo dos olhos?
— Limpos! — exclamou Calem, aproximando-se deles com um par de patins nas mãos. — Finalmente, estão limpos!
Ambos levantaram em um pulo, corados, enquanto Calem agia com completa normalidade. Talvez não os tivesse visto, pois caso contrário, já estaria dando um chilique. Agora já conseguiam ficar em pé sem tanta dificuldade, embora não estivessem exatamente acostumados com a atividade.
— Acho que essa não deve ser sua praia, Calem, exige bastante coordenação motora. — ponderou Charlie, vendo o amigo vestir os patins.
Calem segurou em uma barra de ferro para se levantar e elevou o corpo, ficando de pé um pouco trêmulo. Em seguida, deu um impulso e fez uma trajetória retilínea, até virar uma pirueta no meio do caminho e terminá-la de costas.
— Nossa família tem uma pista de patinação no gelo, Charles. — disse Calem com um sorriso de vitória.
...

Serena ainda tinha um ar frio e assustado nos olhos. Ela trocava o foco do olhar constantemente, como se cada mínimo barulho que surgisse fosse alguém prestes a feri-la. Senti-me na obrigação de ficar ao seu lado, tentando transmitir o pouco de segurança que eu realmente não tinha. Estávamos sentados no topo de um morro. A pista de patinação estava um tanto distante, e os majestosos portões de entrada para Lumiose pareciam ainda menores. Por trás deles, os prédios altos e a linda e enorme Torre Prisma.
Larvitar treinava atacando um rochedo. Desde os acontecimentos anteriores — pobre Pokémon atropelado — não conseguia me sentir tão mais amedrontado para com ele, ou qualquer outra criatura não-humana. Era estranho, porque eu deveria ter sentido ainda mais repulsa. Mas não, eu queria protegê-lo.



Charlie apreciava a brisa um tanto gélida, até que a curiosa sensação de estar sendo observado chamasse mais a atenção. Virou-se discretamente, até se deparar com uma criatura felpuda e cinzenta, com olhos enormes, a poucos centímetros de distância de si, o fitando com seriedade.
— Princesa, você precisa fazer esse bicho parar com essas coisas. — disse o garoto, após soltar um grito de susto.
— Mary, o que eu falei sobre assustar os outros?  — disse a menina, puxando o Pokémon para perto de si, que permanecia com a mesma expressão estática de sempre.
— Acho que ela se cortou, coitadinha, os pelos estão meio manchados de sangue. — observou Calem.
Os três Pokémons de Charlie estavam soltos, parados em um canto, um tanto isolados. O rapaz ficou a fitá-los, um tanto perdido em seus pensamentos.
— Eu achei que tinha perdido eles. — comentou Charlie, baixo. — Eles não eram exatamente meus, mas… Vocês entendem?
— Na verdade não. — comentou Calem, sendo repreendido por Serena com uma cotovelada.
— Esses Pokémons sabem o que é viver nas ruas de Lumiose tanto quanto eu. — ele ignorou o comentário anterior. — É uma longa história… Que bom que os encontrei novamente.
Serena baixou o olhar, focando em seu Pokémon.
— Você pode contar para a gente, se quiser…
Ele a olhou, sem reciprocidade. Não era do tipo que contava histórias do seu passado, especialmente em uma época tão inoportuna como aquela. Calem o olhou de lado discretamente, dando a entender que ele não aprovava a ideia. O moço então apenas ficou em silêncio, de forma que o som ambiente era apenas a única coisa que ouviam.
 — Serena, vamos fazer uma batalha. — disse Calem, por fim.
A menina finalmente levantou o olhar, um tanto assustada. Seu primo fico de pé, confiante. Aparentemente Larvitar ouvira a sugestão, e parou um pouco o que estava fazendo. Entretanto, Calem puxou uma outra Pokébola do bolso.
— Vamos lá, faz tempo que isso não acontece. E eu preciso estar pronto para o próximo ginásio, não é?
Ela concordou, com um sorriso pequeno. Soltou Flabébé e se colocou de pé, para que ambos caminhassem até certa distância do garoto. Charlie ajeitou-se em seu lugar e colocou as mãos em volta da boca, em uma concha, como se tentasse amplificar o som de sua voz:
— E agora está prestes a dar início uma das batalhas mais aguardadas de todos os tempos… — gritou, vendo os dois primos o encararem. — De um lado, — apontou para a menina — a garota de Kalos mais bonita, mais inteligente, mais doce, mais…
— Vamos logo com isso, Romeu. — interrompeu-o Calem.
— E do outro, o maior estraga-prazeres mau-humorado de Kalos. — falou sem qualquer entonação.
Serena deu o comando para Flabébé, que avançou um pouco, pronto para a batalha. Calem puxou novamente a Pokébola do bolso e a lançou para a frente desengonçadamente, fazendo, após o envoltório de luzes brancas, uma criatura vermelha com formato písceo e detalhes dourados em si.

O Magikarp instantaneamente caiu no chão e começou a se debater. Charlie e Serena se entreolharam.
— Vamos, peixe, eu sei que você consegue! — incentivou Calem.
Charlie suspirou.
— A criatura passa a vida inteira estudando pra depois achar que um peixe vai nadar em terra firme. — comentou, baixinho.
Calem, sem ouvir, encheu o peito de confiança, estendendo sua mão ao comandar:
— Peixe, Splash!
O Magikarp começou a se debater ainda com mais intensidade, quase saltando do solo. O movimento, que mais parecia uma dança, não chegou a atingir o adversário, de forma que a menina ficasse intrigada.
— Isso foi um ataque…? — indagou ela.
— Não sei, mas eu adorei quando descobri que ele faz isso! — exclamou o garoto.
Charlie começou a gargalhar alto.
— De que está rindo, Charles?
— De nada, desculpe. — falou, limpando as lágrimas. — Continue, está no caminho certo para ser um mestre Pokémon.
Calem virou o rosto, sem se importar com o comentário. Serena agora era quem comandava seu Pokémon, confiante:
— Use o Vine Whip, Flabébé!
O Pokémon fechou os olhos e concentrou sua energia no solo, fazendo vinhas finas se levantarem e golpearem o peixe. Fadas eram conhecidas por sua harmonia com a natureza, logo, ataques do tipo Grass eram comuns, especialmente para aquela espécie.
Os chicotes, apesar de finos, fizeram grande dano em Magikarp, que apenas repetiu o ataque anterior, voltando a se debater. Flabébé, por sua vez, também repetiu o golpe, causando graves danos e derrotando o Pokémon de Calem. Charlie levantou uma mão para o lado de Serena.
— A vencedora é a princesa Serena! — anunciou.
Calem fechou a cara por um momento, mas logo amaciou, percebendo que pelo menos sua prima havia ficado mais contente após a curta batalha. Cada vez mais percebia que o plano de se tornar um treinador bem sucedido estava realmente distante. Era como se algo tão simples ao mesmo tempo fosse imprevisível. Isso, apesar de um pouco deprimente, o incentivava.
A garota ajoelhou, estendendo as mãos. O pequeno Pokémon flutuou até ela, parando entre as mãos abertas, um tanto tímido. Desde sua captura, Serena havia conquistado mais sua confiança, apesar de ainda ser um pouco incerto com relação às pessoas.
— Você fez um ótimo trabalho em nossa primeira batalha juntos, obrigada. — e sorriu.
O Pokémon permaneceu a observando. Assim como os demais de seu tipo, também era fortemente ligado às emoções, e provavelmente conseguia ver como a menina se sentia. Com esse pensamento em mente, Serena o fez retornar para a Pokébola.
— Você foi muito bem. — disse Calem, aproximando-se da menina. — Para uma não-treinadora, digo.
A menina sorriu.
— E você não foi muito bem. — respondeu ela, rindo. — Para um treinador, digo.

...

Conforme a tarde passava, o trio e os Pokémons de Charlie começaram a se aproximar da próxima cidade. Sentiram um alívio, de certa forma, ao descobrirem que Camphrier Town era uma cidade histórica, um pequeno conjunto de vilarejos, portanto completamente diferente da agitação de Lumiose. Ao fim da rota conseguiriam alcançar a entrada.
Apesar de algumas cidades de Kalos acompanharem os avanços tecnológicos, outras eram preservadas ao máximo, uma vez que o continente possuía grande parte da história do mundo Pokémon. Camphrier era um exemplo. Era envolta por um muro alto, uma vez que em épocas passadas, onde a guerra predominava, eram importantes para proteger cidades contra invasões.
Serena, como de costume, ficou alguns momentos ponderando a imagem da bela cidadezinha. Calem também se interessava, pois sabia a importância histórica daquele lugar. Mesmo Charlie parecia mais contente por fugir um pouco dos problemas da cidade grande.
— Vamos logo fazer nossas reservas no Centro Pokémon. — avisou Charlie, olhando para baixo para conferir se seus três Pokémons ainda o acompanhavam. — Aqui ele é pequeno, os quartos podem acabar logo.
Antes que dessem mais um passo, Calem gritou:
— ESPEREM AÍ!
O garoto ficou encarando um mapa que jazia em sua mão, tremendo. Seus olhos pareciam começar a lacrimejar, enquanto os joelhos abaixavam, quase tocando o chão (Ao lembrar que o chão era sujo, Calem levantou novamente). Ficou com o dedo fixo em um ponto, tentando conseguir vencer a vontade de chorar para falar.
— Cal, o que aconteceu? Você está me assustando!— perguntou ela, indo olhar, vendo que o primo sequer conseguia pronunciar qualquer palavra. Ao olhar para onde ele apontava no mapa, leu: — “Hotel Camphrier”.
— Chega de dormir em camas de hospital que todas as crianças do mundo dormem. Chega de dormir em chalés velhos. Chega de dormir no mato. — ele falava, tremendo. — EU VOU DORMIR NUMA CAMA RECÉM-ARRUMADA HOJE MESMO!
Antes que pudessem falar qualquer coisa, Calem começou a correr como nunca na vida.

...

Serena abriu a porta do quarto, discretamente. Quando abriu, encontrou novamente a visão do quarto de hotel que vira alguns momentos antes. Um visual higiênico e ao mesmo tempo aconchegante — tudo o que Calem mais desejaria. Tinha em seus braços Espurr, e uma sacolinha presa em uma das mãos.
— Onde está o Calem? — indagou, um pouco ofegante.
— Tomando banho. Ainda. — respondeu Charlie.
O rapaz até então estava sentado na cama, mas se levantou para ficar mais próximo da menina. Antes que ele chegasse mais perto, ela deu um passo involuntário para trás. Ficaram um momento em silêncio e ela, percebendo o que fez, deu um passo para a frente mais uma vez.
— Fiquei preocupado que você saiu sozinha.
— Não tem problema, eu fui correndo. — ela sorriu, respirando ainda ofegantemente. — E a Mary estava comigo.
Ela colocou a Espurr no chão por um momento, e pegou a sacolinha.
— Eu estava precisando de alguns suprimentos. — puxou duas Pokébolas comuns e as entregou para Charlie. — E comprei isso pra você.
Ele ficou observando as esferas, desconfiado.
— Você comentou que não capturou exatamente a Litleo e o Skiddo. Agora você não precisa mais carregar eles, pode levar na Pokébola. — ela sorriu, inocentemente. — Só não comprei uma para o Thanos porque ele não gosta da ideia de morar em uma, segundo você.
Charlie pegou as Pokébolas e as ficou as observando por um momento mais longo que gostaria. Tinha medo de encarar de volta os olhos de Serena, mas o fez, e viu o que imaginou que veria: O olhar inocente e compassivo da menina. Ela não estava brava, afinal. Os mil cacos em que se despedaçou puderam ser unidos, pelo menos dessa vez.
— Não posso aceitar. — respondeu. — E me desculpe por…
Ela tocou o lábio do garoto com o indicador, o interrompendo.
— Esqueça isso. — falou. — E aceite o presente.
Ele pegou as Pokébolas, sem saber ao certo como agradecer.
— Um dia eu vou retribuir. — falou. — Por tudo.
Ela sorriu, contente.
— Eu sei.
Nesse momento, Calem abriu a porta do banheiro, envolto por um roupão branco tão espesso que o fazia parecer um Beartic. Estava com uma expressão de total satisfação, o que já fazia algum tempo que não acontecia. De dentro do banheiro saiu uma espessa camada de vapor que enevoou o quarto inteiro.
— Que droga, não tenho nenhum Pokémon com Defog. — resmungou ironicamente Charlie.
— Após um duro pedaço de jornada, finalmente poderei me restabelecer em um lugar próximo de uma casa decente, com… — ele parou de falar ao notar os Pokémons de Charlie deitados na cama onde ele dormiria. — O QUE ESSES COISOS EMPULGADOS ESTÃO FAZENDO NA MINHA CAMA?
Charlie colocou as mãos na cabeça.
— Calem, foi mal, dessa vez não foi por querer. — ele desculpou-se, usando as novas Pokébolas para fazer os Pokémons saírem de lá. Thanos desceu da cama sozinho.
O garoto se aproximou da cama, vendo uma mancha preta de sujeira onde cada um dos Pokémons havia se deitado.
— Eu não acredito! Vou ter que dormir em uma cadeira forrada de novo! — praguejou ele.
Charlie começou a puxar as cobertas sujas.
— É só a gente mandar lavar e…
Naquele momento levou um golpe que o derrubou, sem sequer ver de onde tinha sido atingido. Quando se virou, percebeu a assustadora figura de um Calem de roupão com um pé sobre ele, e um travesseiro em mãos, como uma arma.
— Ahh, Charles, você sempre sendo um empecilho na minha vida. Eu já falei o quanto eu o odeio?
— Eca, você não está usando nada por baixo do roupão. — disse ele, tapando os olhos.
Calem tirou a perna de cima de Charlie, envergonhado, em seguida o golpeando novamente com o travesseiro. Serena tampava a boca evitando rir da cena.
— E você está rindo do quê, menina? Você sabe que é tudo culpa sua eu estar aqui, né? Eu te odeio também, vem aqui levar traveseirada! — resmungou ele, tentando acertar a menina com o travesseiro, levando agora um ataque de Charlie. — Ei, não vale me acertar, eu tenho alergia.
Charlie e Serena riram, cada um com um travesseiro em mãos, tentando se acertar. Após alguns minutos de briga, os dois caíram na cama, e Serena os prensou com seu travesseiro, tentando fazer força. Ela gargalhava, como não fizera nos últimos tempos. Uma risada maravilhosa e espontânea, e olhos tão brilhantes como os de uma criança em sua primeira guerra de travesseiros.
Calem e Charlie se entreolharam, sorrindo, como quem cumprira uma missão.
— Uma pena que você me odeia, — disse ela. — porque eu amo vocês! 

    

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