Archive for May 2020
Notas do Autor - Capítulo 33
ALERTA DE SPOILERS! Antes de ler as notas, leia o capítulo correspondente primeiro! |
Após alguns meses e algumas pandemias (rindo de nervoso), seguimos nossa estadia em Coumarine! Como já cheguei a comentar, esse arco não é tão intenso, mas traz alguns acontecimentos notáveis. Eu imagino Coumarine como uma cidade muito agradável.
Na busca por respostas, Serena sempre parece que sempre acaba com mais perguntas... Mas olha, alguém se lembra do garoto do capítulo 23? Foi uma aparição tão rápida que acho que ninguém mais deve se recordar. Mas, bem, quando a Serena curiosamente foi parar junto dos túmulos da Rota 7, já havia alguém lá, que vai embora alguns momentos depois. Esse menino era o Azria, um personagem que nos apresenta pouco por enquanto, mas que ainda vai ser fascinante em seu tempo. Alguém que traz interrogações em sua própria existência, em sua própria memória... Quanto pensamos que os mistérios vão se resolver...
Quanto ao Charlie e Calem... Alguém estava com saudade dos dois fazendo confusões? Spritzee é um Pokémon cotado para o time do Calem há muito, muito tempo - um dos primeiros, na verdade, se não me engano. Ela deveria ter sido capturada na época em que eles passavam por Camphrier, na rota em que encontramos esse Pokémon normalmente, mas achei que não era o momento. Felizmente achei uma brecha! É um dos meus Pokémons favoritos de Kalos, inclusive. Acho que essa metade do capítulo foi bem cara de fic de Pokémon - aquela fantasia louca que só aconteceria dentro desse universo. Às vezes juntamos temas tão humanos que esquecemos em que mundo estamos... E, depois dessa, o clima esquentou bastante. Curiosidade: a loja de incensos de fato é um lugar do jogo (um dos poucos lugares existentes em Coumarine).
Espero que tenham tido uma boa leitura, e se preparem, pois uma batalha de ginásio nos espera!
Aproveito esse espacinho para deixar um agradecimento a todos vocês, queridíssimos leitores, sempre de olho nas novidades por aqui, mesmo em tantas pausas... E também um abraço especial em todos os amigos da Aliança, pelo incentivo, pelos comentários e por continuarem com seus planos incríveis que sempre me incentivam a continuar a jornada por aqui também. Feliz em fazer parte dessa equipe <3
Aproveito esse espacinho para deixar um agradecimento a todos vocês, queridíssimos leitores, sempre de olho nas novidades por aqui, mesmo em tantas pausas... E também um abraço especial em todos os amigos da Aliança, pelo incentivo, pelos comentários e por continuarem com seus planos incríveis que sempre me incentivam a continuar a jornada por aqui também. Feliz em fazer parte dessa equipe <3
Capítulo 33
CAPÍTULO 33
Aromaterapia
Serena protegia a cabeça com sua
capa. A chuva gelada escorria em sua pele, caindo insistentemente sobre o corpo.
O barulho das gotas rebatendo no plástico protetor era alto. Ela parou na
primeira oportunidade que teve de se proteger. Retirou os papéis que carregava
debaixo da capa e soltou um suspiro de alívio ao ver que estavam protegidos.
Encostou sobre a parede daquele estabelecimento fechado e ficou por alguns
momentos olhando em tom admirado a natureza derramando suas águas sobre
Coumarine.
Já chovera na maior parte da manhã,
parecia que agora o clima finalmente amansaria. O céu estava em um cinza claro,
escondendo o sol por detrás das nuvens. A ruazinha estava quase vazia, ela via
algumas pessoas caminhando aceleradas tentando evitar de se molharem. De
maneira geral a garota gostava de chuva, mas acabou sendo pega um pouco de
surpresa pela tempestade. Tirou o capuz da capa e escorreu a água de seus fios
curtos de cabelo.
De lá ainda conseguia ouvir um
pouco do barulho da parte mais agitada de Coumarine, ainda que a cidade fosse
bem tranquila, especialmente não muito frequentada àquela época do ano. Alguns
motores de carro e poucas buzinas se perdiam na melodia do respingar contínuo
no chão de pedra. A garota foi escorregando as costas na parede, terminando
sentada no solo. Encarou os papéis em suas mãos.
“Stevan Windsor”
Ela abriu a pasta e folheou, mas
nada além do que já havia visto. Pensou que alguma informação poderia ter passado
batido, que faltava um olhar mais atento. Mas não. Nada além do mais básico
possível. Teria sido tola de pensar que seu pai teria documentos importantes em
um local de fácil acesso assim? Já sabia de onde ele era, seu nome, seu tipo
sanguíneo. Além disso, nada que contribuísse com sua busca.
A garota levantou a cabeça e soltou
uma respiração longa. Abaixou o olhar ligeiramente e se deparou com uma figura
a não muitos metros de si, protegendo-se da chuva da mesma forma. Ele encarava
longe, quase perdido em seus pensamentos. Tinha uma pele alva que contrastava
fortemente com seus cabelos negros como a escuridão. Sua pose era curiosa,
parecia retraído, como alguém que acabara de levar um susto e ainda tinha o
coração acelerado.
Serena finalmente conseguiu pousar
o olhar naquela figura, mas sabia que não era a primeira vez que o via. O
aperto em seu peito não mentia.
— …de novo!
A garota se levantou, indo em
direção a ele. Protegeu os papéis mais uma vez, e cobriu a cabeça com o capuz.
— Ei, você! — exclamou.
O menino de imediato lhe dirigiu um
olhar assustado. Seus olhos eram de um cinza tão escuro que por pouco chegavam
ao preto, como um céu noturno sem estrelas. Os cabelos pretos caíam-lhe
bagunçados pela cabeça O rapaz era um tanto mais alto que ela, mas seu corpo
magro se esgueirou quando a menina apontou-lhe o dedo.
— Nós já nos vimos antes! — disse
ela. — Não vimos?
Ele ficou a encará-la, mas antes
que respondesse ela continuou.
— Desculpe te abordar assim, mas eu
tive uma sensação muito estranha quando te vi que há tempos eu não tinha. —
falou. — Geralmente eu sou uma pessoa que segue a intuição e…
A voz da garota foi morrendo quando
percebeu que ele apenas e observava com uma expressão dúbia e talvez até um
pouco assustada. A garota colocou a mão na boca, sem jeito. Um trovão ecoou ao
longe, e uma nova rajada de água caiu violenta dos céus. Só o barulho da chuva
preenchia o constrangedor silêncio.
— Por Arceus… M-me desculpe, moço.
Oh, céus, eu fui horrível. Me desculpe!
Ela se virou, corada. Colocou o
capuz na cabeça porém antes que fizesse o caminho de volta, ouviu uma voz rouca
e grave que fez com que seu corpo sentisse um arrepio até os fios de cabelo.
— Já nos vimos. — ele disse. — Eu
lembro de você.
Ela vagarosamente se virou,
encarando-lhe.
— Eu vi você ontem e não evitei
segui-la. Na biblioteca. Me desculpe, não queria deixá-la com medo. — disse
ele.
Serena deu um passo à frente. O
garoto permanecia na mesma posição. Era engraçado a contraposição de seus olhos
azuis tão faiscantes e vívidos encarando aquelas orbes escuras como
buracos-negros.
— Perto de Geosenge. Nos túmulos. —
disse ele. — Você estava lá, não estava?
Serena sentiu novamente um arrepio,
pois dessa vez ela que fora pega de surpresa.
— E-eu não lembrava de tê-lo visto
lá. — disse.
Os dois ficaram em silêncio. Um
trovão ribombou bem longe, enquanto a chuva ainda atingia com forças o chão. O
som das gotas caindo na pequena parte da capa de chuva fora do coberto estalava
pelo ambiente. O garoto pareceu ficar um pouco sem jeito após seu próprio
comentário.
— Eu sinto que começamos de um
jeito errado… — disse Serena. — Será que podemos tomar um café?
Após alguns instantes de
ponderação, o garoto apenas concordou com a cabeça. Àquele tempo, os cafés mais
movimentados de Coumarine estavam lotados. O mais próximo que alcançaram tinha
recolhido as mesas para evitar que se molhassem. A placa da porta indicava que
estava aberto. Correram para alcançá-lo sem se molharem muito, espirrando a
água das poças no caminho. Ao abrirem a porta, um sininho tocou.
Serena pendurou sua capa de chuva
em um lugar apropriado. Sentiram uma brisa do ar-condicionado logo que pisaram
dentro. O rapaz balançou o sobretudo que vestia e esfregou os pés no tapete,
secando. Os dois se entreolharam e seguiram para a fila, sem trocar mais
palavras. Serena pediu um mocha, bem
espumado. Ele pegou um expresso puro.
Os dois sentaram-se na mesa. A
garota arrumou uma mecha do cabelo atrás da orelha e tomou um gole generoso de
sua bebida. O ar-condicionado resfriava suas roupas molhadas de chuva. Olhou
para o lado, vendo as gotinhas caindo e escorrendo pela janela que dava para
uma das ruas mais conhecidas de Coumarine.
— Meu nome é Claire. — mentiu ela,
como nas muitas vezes ao longo das últimas semanas.
— Azria. — falou ele, simplesmente,
encarando a própria xícara de café escuro.
— Eu não sabia que você estava em Geosenge.
— falou ela.
— Você não tinha notado minha
presença quando chegou. — respondeu, tocando a mesa. — Está tudo bem.
Serena apontou-lhe um olhar
confuso.
— Como sabe que sou a mesma pessoa?
— indagou ela.
— Acho que
do mesmo jeito que você sabe que já me viu.
Serena não se lembrava de tê-lo
visto em Geosenge, mas por algum motivo sua memória lhe dizia que algo naquele
garoto era familiar. Sobretudo, era com certeza ele que estava na biblioteca de
Coumarine no dia anterior. Por que sua mente lhe chamava a atenção a alguém que
sequer conseguiu conhecer direito? Olhar para ele lhe trazia algo curioso, como
rever alguém que você não vê a muito tempo e preferia esquecer. Mas ela não o
conhecia, e ele parecia assombrado até mesmo com o ruído dos trovões muito
distantes.
— Eu não sei. — respondeu ela. —
Mas eu sinto.
Existem pessoas que passam por nossa vida que mal nos lembramos. Em compensação, algumas deixam alguma marca curiosa mesmo que não tenham desempenhado nenhum papel relevante para nós. Não sei como dizer por que eu o reconhecia, mas conseguia. Nas três vezes que o vi, meu peito foi tomado de um sentimento misto que não sei definir ao certo, - como quando você sente que está prestes a descobrir uma coisa muito ruim, e já não sabe se é melhor a dúvida ou a certeza. Eu não o diria isso, de maneira nenhuma, mas seria coincidência?
Existem pessoas que passam por nossa vida que mal nos lembramos. Em compensação, algumas deixam alguma marca curiosa mesmo que não tenham desempenhado nenhum papel relevante para nós. Não sei como dizer por que eu o reconhecia, mas conseguia. Nas três vezes que o vi, meu peito foi tomado de um sentimento misto que não sei definir ao certo, - como quando você sente que está prestes a descobrir uma coisa muito ruim, e já não sabe se é melhor a dúvida ou a certeza. Eu não o diria isso, de maneira nenhuma, mas seria coincidência?
Suspirou.
— Desculpe, sei que é coisa boba.
— O que você faz aqui, Claire? —
indagou ele, sério.
— Estou procurando algumas
respostas… — murmurou a menina, perdida. — Quero descobrir mais sobre minha
mãe, mas parece que quanto mais procuro, mais longe estou...
Ela colocou a pasta de documentos
na mesa, nervosa. Não havia contado aquilo para ninguém.
— Acho que ela pode me ajudar, mas
não consigo, de jeito nenhum, encontrar qualquer coisa sobre ela.
— Sei como se sente. — balbuciou o
garoto.
Serena levantou o olhar. Azria
encarava o vidro afora, tão distante que suas palavras pareciam vapor solto no
ar, que se dissipava aos poucos até desaparecer. Mesmo presente no ambiente,
era como se parte dele não estivesse ali, e sim procurando por coisas que
Serena não entendia, e talvez sequer ele mesmo seria capaz de dizer.
— Eu também estou procurando
respostas. — falou, preenchendo o silêncio entre os dois.
— Sobre sua família?
— Sobre mim. — respondeu. — Sobre
eles também.
O garoto tomou um gole do café
amargo.
— Desde que eu acordei naquele dia…
Não me lembro de mais nada. — falou, com um pesar tão grande que a cada palavra
parecia que alguém lhe apertava um machucado.
Ela quase prendeu a respiração.
— Desculpe. — disse ele. — Não
queria assustá-la.
— Por que… — ela passou o dedo com
suavidade pela beirada de sua xícara. — Por que você está me contando isso?
Ele desenhou um canto de sorriso
irônico, tão frágil que logo se desfez.
— Eu não sei. Desculpe.
— Não precisa pedir desculpas, eu
só…
— Quando eu disse que sabia que já
a vi é porque eu também tenho esse pressentimento. — murmurou ele,
inclinando-se em sua direção. — Você me traz coisas boas, e eu... E-eu não sei
explicar o que, mas faz um bom tempo que não tenho um pingo de esperança igual
agora.
A garota encolheu-se, um pouco
confusa.
— Quando diz que quanto mais
procura mais longe está… É assim que me sinto. Desculpe por tê-la deixado sem
jeito, mas você parece uma frestinha de luz que há muito tempo não me aparecia.
Eu não deveria ter sido tão esquisito. É melhor eu ir.
Serena tocou o próprio peito
enquanto o garoto se levantava. Ele deu um tropeção desajeitado, claramente
incomodado de ter falado demais. As pessoas ao redor o olharam com uma
expressão negativa, vendo-o seguir o trajeto até a porta.
— Não, espere. — falou,
colocando-se de pé.
— Boa sorte em sua busca, Serena. —
falou o garoto, por fim, deixando a menina sozinha na mesa, só instantes depois
ficando desconcertada ao assimilar como ele a chamou.
♠ ♣ ♠
Os dois rapazes caminhavam lado a
lado pela rua de terra. A parte mais alta de Coumarine City tinha algumas áreas preservadas e naturais, próximas
a onde Calem parara para ler no dia anterior. O garoto preferia nos últimos
tempos evitar os tumultos – gente demais lhe atacava a ansiedade, pensava que
poderia estar sendo observado por qualquer capanga de Stevan.
Só não estavam em silêncio pois
sucedia uma conversa desconfortável e forçada. Discutiram sobre o tempo, como a
chuva havia acabado de parar. Alguns lugares ainda tinham poças consideráveis,
de maneira que Calem tivesse que desviar, temendo sujar seus tênis. Charlie
abria um sorriso quando acontecia.
— Sei que têm andado com a cabeça
meio cheia… — murmurou Charlie, com as palavras tão teatralizadas que parecia
estar ensaiando aquele diálogo mentalmente havia tempos.
Calem continuou olhando para o
chão.
— Charles, essa conversa… — disse
ele, acenando a cabeça. — Não vamos tê-la.
— Eu quero tê-la. — retorquiu o
outro, tocando-lhe o ombro.
— Não o culpo. Não preciso de
desculpas. Sua intenção nunca foi ruim. — balbuciou Calem, firme. — Apenas o
fato de eu ter concordado com sua abordagem que me aborrece.
— Bem, talvez você não queira, mas
deixo minhas desculpas. — concluiu o outro balançando as mãos.
Seguiram pela caminhada em um
silêncio desconfortável, cheio de espinhos e entrelinhas perdidos. Charlie
encarava o céu, Calem encarava o chão. Entre os passos incertos pelo caminho
encharcado, o menino deixou escapar:
— Como você consegue?
O outro baixou-lhe os olhos verdes.
— O quê?
— Viver escondido. — murmurou. — De
mentiras.
Charlie ficou por um tempo sem
resposta, preparando-se para dizer algo, mas se interrompeu quando inspirou com
calma o ar. Olhou ao redor discretamente, chamando a atenção do outro.
— Está sentindo esse cheiro?
— Não, meu nariz está meio
entupido. A poeira da casa atacou minha rinite. — resmungou o outro.
— É um cheiro doce e forte.
— É uma casa de incensos. — apontou
Calem.
Uma fachada antiga se estendia a
não muitos metros dos dois. Aquela área não era tão repleta de comércio, uma
vez que era razoavelmente mais retirada da cidade. A iluminação era baixa,
trazendo um ar místico para o espaço, e uma névoa suave se dissipava pelo ar.
Charlie sentiu novamente o aroma atraente que o convidou a investigar a
lojinha. Várias estátuas de Pokémon de madeira e pedras escuras decoravam as
prateleiras, especialmente de algumas figuras que eram conhecidas pelo
misticismo que carregavam – Xatu, Solrock, Lunatone, Meowth... Todos Pokémon
com representações importantes para várias culturas de diferentes lugares.
Tecidos pendurados decorados à mão
caíam pelas paredes, entrelaçados com todo o cuidado. Pedras místicas em
colares também eram artigos frequentemente destacados à venda. Muitos
acreditavam nos poderes provindos dos artigos minerais – e, depois de conhecer
as Mega Evoluções, Calem também não duvidava desse poder.
— Olá, rapazes. Procuram algo
específico? — uma voz rangida como uma porta velha se fechando surgiu detrás da
loja.
Os rapazes se viraram ao balcão,
notando uma senhora baixinha de cabelos brancos presos em um penteado exótico,
envolto por alguns lenços coloridos. Usava uma roupa repleta de símbolos, assim
como alguns eram desenhados com cuidado em sua pele. Esboçava um sorriso
simplório, faltando alguns dentes, e os olhos quase sumiam quando o fazia.
Havia alguns piados e rufares de
asas. Em um poleiro próximo à velha senhora estavam vários Pokémons gorduchos,
de uma penugem rosa de tom forte e olhos avermelhados brilhantes como as pedras
místicas colocadas à venda; brigavam por mais espaço um com o outro no poleiro,
batendo as asas entre si.
— Não, só estamos dando uma olhada.
— respondeu Charlie, simpático. — Esse cheiro chamou a atenção.
— Ah, sim. Nós vendemos aqui
incensos, ervas aromáticas, e outros produtos naturais. — explicou ela.
Calem encarou uma prateleira
repleta de pedras, interessado. Ele reconhecia aquelas de livros – não eram
apenas pedras místicas, mas sim pedras evolucionárias. Por mais que seu poder
fosse tentado traduzir desde os primórdios de seu surgimento, eram, de qualquer
maneira, suficientemente raras devido ao seu potencial de influenciar certas
espécies de Pokémon quando expostos a seus poderes. Algumas só eram encontradas
em lojas próprias de batalha por altos preços.
— Quanto custam, senhora? —
perguntou o menino.
— Depende da pedra, meu jovem. —
disse ela, balançando a cabeça.
Ele estendeu a mão, levantando uma
delas. Quando a luz dos candelabros batia em suas bordas, percebia-se que
brilhava em tons de roxo; contudo, antes de chegarem ao seu interior, pareciam
se perder, sendo absorvidos até o centro escuro como um buraco sem fim, tão
negro quanto o céu noturno.
— Uma Dusk Stone. — ponderou ela. — A Pedra do Crepúsculo. Essa veio
especialmente da região de Sinnoh, é raramente encontrada por aqui. — falou
ela, coçando o queixo. — Mas posso tentar fazer um preço generoso para você…
Calem se aproximou, negociando com
a senhora. Sem muito discutir, puxou algumas notas de dinheiro de sua mochila
com simplicidade, deixando no balcão. Charlie ficou brincando com os pássaros
no poleiro, que quase compravam a provocação, tentando bicar seu dedo. Quando
concluíram, a senhora abriu um novo sorriso, e os dois deixaram a loja com uma
despedida. Calem admirou a pedra por alguns momentos antes de guardá-la em um
bolso interno da mochila.
— Por que resolveu comprar isso? —
murmurou o garoto.
— Ainda vai ser útil. — ponderou o
outro.
Calem inspirou fundo o ar, fazendo
um barulho com as narinas entupidas. Coçou, com uma careta, ameaçando um
espirro.
— Aquele cheiro fica impregnado.
Vou precisar de outro banho para voltar ao normal. — reclamou. — Até meu nariz
entupido detectou esses cheiros.
Charlie inspirou também, olhando
para trás. Ouviu um rufar de penas pousando ao redor e percebeu a mesma espécie
da loja da velha senhora, encarando os dois com seus vívidos olhos vermelhos.
— Não é o pássaro que a mulher
criava lá dentro? — indagou Charlie.
— Ah, que ótimo. — reclamou o
outro, batendo as mãos nas pernas. — Agora esse bicho vai andar atrás da gente.
Já não bastasse você me seguindo, agora ele também vai.
Charlie levantou uma sobrancelha, o
encarando com seriedade.
— Será que dá pra parar com isso? —
retorquiu, amargo.
O amigo o olhou de volta com
dúvida.
— Como é?
— Me alfinetar toda vez. —
respondeu. — Eu ando meio cheio disso.
— Mas eu sempre fiz isso. — Calem
deu de ombros, voltando a caminhar. — Por que resolveu implicar comigo agora?
— Porque chega uma hora que cansa,
Calem. — ele abriu os braços, sem sequer sair do lugar. — Olha a que ponto
chegamos.
Calem abriu um sorriso irônico,
parando de andar e se voltando para o amigo.
— Preciso lembrar por que estamos
“neste ponto”?
— Tá, tá. Agora vai me culpar. Como
sempre. — Charlie disparou, com uma falsa risada. — Apontando o dedo pra mim,
toda vez. Eu sempre causo tudo, eu sempre sou o problema. O “indesejado”.
— De onde vem isso? — Calem cruzou
os braços.
— De você! Ou estou mentindo? Você
não faz questão de deixar claro isso sempre?
Calem suspirou, descruzando os
braços e voltando a caminhar.
— Charles, não sei o que deu em
você, mas eu não vou comprar essa briga.
— É porque você tem medo de
qualquer briga. — ouviu, baixinho. — Até comigo.
O garoto parou de andar. Virou-se
vagarosamente rumo ao companheiro, com um olhar de poucos amigos. Charlie o
fitava com uma expressão séria que ele não via havia muito tempo.
— O que quer dizer com isso?
— Você é covarde. — cuspiu Charlie.
— E seu medo é que os outros descubram isso, né?
O garoto puxou de suas coisas uma
esfera. Calem ainda ficou digerindo aquelas palavras disparadas de maneira tão
crua que qualquer reação foi impossível. Charlie não parecia estar brincando,
falando tudo de um jeito tão seco que ele sequer se recordava quando foi a
última vez que o percebera assim. O garoto lhe apontou o dedo, jogando a mochila
de lado e lançando a Pokébola para o alto.
— Vai, Litleo! — disse.
A felina se espreguiçou, esticando
as esguias costas. Mostrou as garras afiadas em suas patas, e forçou os
músculos do rosto em uma expressão fechada, brilhando seus olhos atentos
em direção ao adversário. Os dentes à mostra revelavam que estava pronta para
seguir seu treinador.
— O que pensa que está fazendo? —
perguntou o garoto.
— Vai fugir? — provocou Charlie.
Aquelas palavras assemelhavam-se ao
que ele ouvira de Damien outrora. Mas uma coisa era quando um estranho lhe
dirigia aquelas coisas. Outra era quando um amigo que te conhece completamente
dizia. O outro hesitou, mas colocou a mochila no chão e levantou uma de suas
Pokébolas. Jogou, revelando Tyrunt, que mostrou de cara sua poderosa mandíbula
capaz de destruir rochedos.
— Take Down. — anunciou Charlie.
— Ancient Power. — rebateu Calem.
Litleo investiu furiosa, atingindo
Tyrunt. O dinossauro, apesar do golpe, não hesitou muito em continuar de pé.
Possuía uma pele resistente como as rochas do passado, e tinha consideravelmente
mais treino em batalhas que sua adversária. A criatura levantou um grupo de
pedras do chão, disparando contra o Pokémon de fogo, que tomou um notável dano.
♠ ♣ ♠
Serena caminhava lentamente pelas
ruas, retornando à pequena casa em que haviam conseguido estadia na cidade. Sua
cabeça estava distante, perdida na turbulência das muitas informações que lhe
foram dirigidas por Azria. Se achou que finalmente interagir com aquele garoto
lhe auxiliaria a responder algo, estava mais enganada que nunca. Agora não
apenas estava confusa como também incerta pelo próprio garoto, sem ter como
ajudá-lo.
Ela teve sua atenção atraída quando
ouviu vozes de seus amigos não muito distantes. Correu alguns passos e não
escondeu sua surpresa ao vê-los de lados opostos, em uma batalha. Começou a
desenhar um sorriso ao pensar que Charlie poderia estar ajudando Calem a
treinar para sua batalha do dia seguinte no Ginásio da cidade, mas logo a
expressão caiu quando percebeu a atmosfera estranha que pairava no ar.
— O que está acontecendo aqui? —
perguntou a menina, então coçando o nariz. — Alguém aqui passou perfume?
Charlie virou lentamente a cabeça a
ela.
— Princesa, não se envolva.
— Meus melhores amigos estão
brigando, eu vou me envolver sim. —
retorquiu a garota, se aproximando da briga. — O que deu em vocês?
— Ando um pouco cansado de seu
primo apontando o dedo sempre para mim. — Charlie falou, seco.
— Não foi você quem disse que
devemos dar um tempo a ele? — perguntou a menina, agora mais próxima dele.
— Bem, acho que demos tempo até
demais. — deu de ombros.
Serena fechou a cara – outro evento
não muito frequente.
— P-pelo menos ele é sempre sincero
com a gente. — disse em tom quebradiço.
O outro desfez a cara que
gesticulava anteriormente, razoavelmente perdido.
— O que quer dizer?
— Das suas mentiras, Charlie. —
falou, direta. — Ou das coisas que você nunca conta. Eu já disse que estou
cansada disso.
— Princesa, você também? — inquiriu
Charlie.
— Não é questão de “eu também”,
Charlie.
— Gente, será que só eu estou em sã
consciência aqui? — perguntou Calem, do outro lado.
A batalha havia cessado com a
entrada de Serena. Ele sentiu um frio na espinha em vê-los discutindo. Por mais
que tivesse seus (muitos) poréns com o contato entre os dois, vê-los brigando
naquele tom com certeza não era algo que o garoto gostaria. A seriedade em suas
vozes parecia tão profunda que estava desconfortável em ver aquela troca de
palavras – mas agora era quase ignorado no ambiente.
O menino soltou um espirro, coçando
seu nariz já meio avermelhado.
— Se essa droga de cheiro já está
me incomodando imagina se não estivesse com o nariz entupido. — resmungou ele.
De repente, Calem puxou de novo o
ar, ouvindo o som das narinas presas quase assoviando. O garoto teve um leve
estalo enquanto observava Charlie e Serena dialogando.
— Com o nariz entupido… — murmurou
para si mesmo.
Ele olhou para os lados, procurando
por algo.
— Serena, me empreste sua Pokédex.
— falou.
A menina não lhe deu ouvidos, mas
desta vez ele se permitiu resgatar o objeto em sua bolsa sem que ela sequer lhe
desse atenção. Por mais que tivessem se desfeito de outros itens tecnológicos,
tinham para si que a Pokédex era um artigo que não lhes forneceria perigo –
além de sua utilidade durante as pesquisas da menina. Ele remexeu o aparelho,
sem muita habilidade, levando mais tempo que gostaria para encontrar o que procurava.
Uma voz robótica anunciou, enquanto
projetava a imagem de um Pokémon rosa como aquele que outrora pousara nas
proximidades.
— Spritzee, o Pokémon perfume. — informou a Pokédex. — Ele
emite uma essência que encanta aqueles que sentem seu aroma. A fragrância varia
a partir da dieta de Spritzee
O garoto deu um tapa na própria
perna, agora com certeza que solucionara o mistério.
— Foi você quem fez isso? —
inquiriu, procurando pelo Pokémon. Em seguida, deslizou seu olhar pelas
redondezas. — Nossas mochilas!
O garoto fez o caminho inverso ao
que tinham percorrido, deixando seus amigos em uma acalorada discussão. Não
demorou para localizar o Spritzee a alguns metros de distância, voando com
certa dificuldade enquanto carregava as mochilas de Calem e Charlie. O garoto
soltou um espirro, sendo percebido pela criatura. Quanto mais se aproximava,
mais intensa se tornava aquela fragrância. Ele percebia seus sentidos levemente
abalados com aquela inalação.
Alcançando o Pokémon, conseguiu
puxar sua mochila. A criatura tentou disputar, mas acabou tendo a bolsa
arrancada. Calem resgatou no meio de suas coisas uma esfera. Sem muito
ponderar, arremessou o objeto contra o pássaro, vendo-o ser arrastado para
dentro.
A mochila de Charlie caiu
instantaneamente no chão. O garoto correu para pegá-la, enquanto observava a
esfera se remexer no chão. Não muito depois, o movimento cessou, indicando uma
captura. Ele refletiu por alguns momentos. Até a Pokébola ficou levemente
cheirosa.
Nem formou um sorriso no rosto,
pois logo virou para trás. Levou as duas mochilas consigo, caminhando
lentamente. Conseguia ouvir os brados de Charlie e Serena, mas forçou o máximo
que pôde para não absorver nenhuma das palavras. Em uma de suas Pokébolas,
revelou Skrelp, comandando um Water Pulse
que logo atingiu os amigos.
Os dois tomaram um susto, se
desestabilizando e caindo no chão, encharcados. Agora, porém, que haviam se
molhado e o Spritzee já não estava mais por perto, o cheiro aos poucos se
dissipou. Ambos respiraram fundo, diminuindo o ritmo. Coraram ao se observar,
retomando consciência.
— Charlie…
— Serena. Céus…
Os dois ficaram acanhados em se olhar nos olhos,
desviando para baixo. As palavras outrora disparadas com tanta facilidade agora
pesavam no ar em uma atmosfera sufocante.
— Essas coisas todas… — murmurou a
menina.
— Eu não… Eu não sei…
— Já está resolvido. — interveio
Calem. — Era um golpe. Essa fragrância provavelmente
deixou vocês irritados de propósito. — deu de ombros.
Os dois se levantaram em silêncio,
mexendo nas roupas molhadas. Os olhares ainda estavam cabisbaixos, como se
tivessem medo de levantá-los e fossem obrigados a se encarar após aqueles
longos minutos de discussão. Calem balançou a cabeça.
— Por que estão assim?
— Calem… — balbuciou Charlie. — Me
desculpe.
— Não precisa se desculpar.
— Foi horrível o que…
—Sugiro que, pelo bem da
convivência, consideremos que foi apenas um episódio e esqueçamos. — disse ele,
voltando a caminhar
— Princesa…
— Ele está certo, Charlie… — disse
Serena tocando-lhe no ombro.
A menina penteou os cabelos com a
mão, forçando um sorriso.